Câmara de Gaia perde no Supremo e arrisca-se a pagar 32 milhões por terrenos na VL9

Autarca critica executivo de Menezes por “contrato leonino” e os tribunais por terem deixado a câmara fazer “litigância de má-fé” com os recursos.

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Terrenos em causa teriam custado pouco mais de nove milhões, não fossem os juros e o arrastar do processo Luís Efigénio/Arquivo

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) rejeitou recentemente apreciar um recurso da Câmara de Gaia (CMG) que pretendia evitar pagar uma avultada indeminização à sociedade que em 2002 cedeu terrenos para parte da VL9, sem nunca ter recebido as contrapartidas. O STA lembrou que apenas aprecia questões jurídicas de elevada complexidade.

Já em Março, o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) havia também recusado o recurso. Em nove meses, desde a decisão do TCAN, o valor dos juros subiu em mais de 1,6 milhões. A CMG tem agora de pagar 32 milhões de euros, com juros acumulados, por um terreno cuja expropriação, segundo o despacho do STA ao qual o PÚBLICO teve acesso, teria custado pouco mais de nove milhões à câmara então liderada por Luís Filipe Menezes (PSD).

“Não consigo perceber como é que foi possível a CMG ter conseguido fazer um contrato leonino como este sem que ninguém fizesse algo para a impedir”, disse ao PÚBLICO o actual presidente da autarquia, Eduardo Vítor Rodrigues (PS). O STA recusou apreciar o recurso extraordinário por não verificar questões especiais que suscitem “dúvidas sobre o quadro jurídico aplicado” e por estar em causa apenas “o comum incumprimento dos contratos” e nada mais complexo.

Eduardo Vítor Rodrigues critica o anterior executivo e os tribunais. “Coube-me a mim, em sorte, na mesma semana levar com duas decisões do STA. É curioso.  Para felicidade do Dr. Menezes e para minha infelicidade, a Justiça parece estar mais rápida agora. Como é possível que durante todos estes anos os tribunais tenham deixado a autarquia meter recurso atrás de recurso para atrasar, sem perceberem que isso era um caso claro de litigância de má-fé por parte do câmara?”, questiona ainda.

O PÚBLICO tentou sem sucesso uma reacção de Luis Filipe Menezes, a cujos mandatos se refere o outro caso apontado pelo sucessor. Na reunão de cãmara da semana passada, Eduardo Vítor Rodrigues revelou que num processo movido pela Cimpor, a câmara perdeu também, e uma sociedade estrangeira à qual a cimenteira cedeu a posição no processo está a exigir ao Governo que garanta o pagamento dos 30 milhões devidos pela Câmara de Gaia.

No caso da VL9, segundo Marques Carvalho, o advogado do casal proprietário dos terrenos, a autarquia tem de pagar 20 milhões (nove mais 11 milhões de juros) por não ter feito arruamentos e infra-estruturas contratualizadas e 12 milhões por 110 mil metros quadrados com direitos de construção que mais tarde, ao invés do acordado, não foram autorizados. “Não desconfio dos números. São os juros previstos. Mas esse valor é desproporcional e inviável. Está completamente fora de questão”, sublinhou Vítor Rodrigues, cuja edilidade arrisca-se ainda a pagar indeminizações relativas a outros 62 casos.

“Essas situações resultaram da teimosia, da política do 'quero, posso e mando' e de vaidades pessoais. O diálogo teria resolvido a questão”, referiu ainda o autarca. E lembrou que a CMG tem, no caso da VL9, “um recurso no Tribunal Constitucional”, pelo que considera que o valor ainda não é devido por “não haver trânsito em julgado”.  Vítor Rodrigues, admite, porém, dialogar com os proprietários do terreno, tal como “nos outros casos”. “Trinta milhões é metade do orçamento da autarquia. Não é possível. Vou continuar a lutar por manter o município solvente”, salientou.

O advogado Marques Carvalho tem outra opinião. “A câmara tem 30 dias para pagar voluntariamente. Senão, resta-nos requerer ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais para que substitua a autarquia nesse pagamento – cobrando depois à CMG – ou requerer que seja cativada uma percentagem anual do orçamento da CMG”, avisou o advogado.
 
 

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