Câmara de Lisboa contradiz-se sobre contaminação de solos de Monsanto

Até agora sempre disse que a descontaminação do antigo clube de tiro estava em estudo. Na semana passada Sá Fernandes disse ao PÚBLICO que obrigou o clube a fazê-la em 2011.

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Parque do Monsanto Pedro Cunha

A Câmara de Lisboa diz que obrigou o Clube Português de Tiro a Chumbo a retirar o metal pesado acumulado durante 52 anos nos mais de 13 hectares vedados que ocupava no Parque Florestal de Monsanto. Mas não sabe precisar a quantidade de poluente removido, nem que área foi limpa, nem quanto custou a operação, nem quando foi feita. O gabinete do vereador Sá Fernandes afirma apenas que o clube “foi obrigado pela câmara a retirar o chumbo existente” e que “a remoção teve início em 2011”, no período final da concessão, “tendo sido retiradas várias centenas de quilos”. Esta afirmação não é confirmada por nenhum documento, nem pelos vereadores da oposição, nem pela observação do terreno.

A concessão do espaço — situado junto ao Centro Interpretativo de Monsanto — terminou em Outubro do ano passado, quando o executivo municipal aprovou, por unanimidade, a denúncia dos contrato celebrado com o clube em 1962. Motivo: falta de pagamento, ao longo de mais de um ano, da taxa mensal de ocupação de 2013 euros.

A contaminação do solo com chumbo foi uma das razões que levaram numerosas associações ambientalistas a baterem-se durante uma década pela cessação da actividade do clube naquele local. Um estudo efectuado há 17 anos conclui, já então, que a quantidade de chumbo ali acumulado chegava a ser 110 vezes superior ao máximo a partir do qual as leis de países com a Holanda impunham a sua descontaminação. 

Dias depois da denúncia do contrato com o clube de tiro, os deputados municipais do partido Os Verdes questionaram a câmara, por escrito, sobre a futura limpeza do terreno, procurando saber quem é que assumiria os respectivos custos e pedindo ao executivo que “informe periodicamente a Assembleia Municipal de Lisboa sobre o processo de descontaminação”.

Passados quase três meses, a 27 de Janeiro deste ano, o vereador Sá Fernandes, responsável pela área dos espaços verdes, respondeu ao requerimento escrevendo apenas que “a solução para o Campo de Tiro ainda se encontra em estudo”.

Agora, três semanas depois de o PÚBLICO lhe ter dirigido perguntas detalhadas sobre o mesmo assunto, o autarca, através do seu assessor de imprensa, veio dizer que “a remoção do chumbo foi efectuada ainda pelo anterior concessionário” e que “está em estudo a necessidade de uma nova intervenção”. Nas imediações dos vários campos de tiro do complexo, no entanto, basta afastar as folhas dos sobreiros e remexer a terra escura para encontrar grandes quantidades de fragmentos dos pratos de plástico contra os quais os atiradores disparavam, de cartuchos e de bagos de chumbo.

Contactado pelo PÚBLICO, o vereador da CDU Carlos Moura — que enquanto dirigente da Quercus esteve durante muitos anos envolvido na luta pelo encerramento do clube de tiro — garantiu que o executivo municipal nunca foi informado por Sá Fernandes de qualquer espécie de descontaminação feita pelo antigo concessionário por imposição camarária. “Perguntámos várias vezes o que é que seria feito ao chumbo, não só ao que está no solo, mas também áquele que foi absorvido pela terra, e nunca tivemos resposta.” O autarca acrescentou que se falou na hipótese de o clube se responsabilizar pela descontaminação, mas “isso seria apenas no caso de o município lhe encontrar uma localização alternativa”, coisa que não aconteceu.

Também o vereador do CDS/PP, João Gonçalves Pereira, afirmou não ter ideia  de ter sido fornecida ao executivo qualquer informação sobre a alegada recolha do chumbo.

Independentemente do problema dos solos, Sá Fernandes afirmou há um ano, quando foi aprovada a denúncia do contrato, que “uma parte substancial” daqueles 13 hectares “será devolvida à mata” e que será lançado um concurso público para exploração do restaurante ali existente. No terreno, porém, nada foi ainda feito, permanecendo abandonados e degradados, tal como se encontravam quando a câmara tomou posse deles, os edifícios de apoio e as estruturas anexas aos campos de tiro. Bem como as dezenas de pombais em tempos uitilizados para manter as aves utilizadas na prática do tiro aos pombos e a própria mata.

O restaurante há muito instalado no amplo e bem conservado edifício onde também funcionava a sede e o bar do clube permanece em funcionamento, mas apenas a título precário e até que a câmara lance o anunciado concurso para a exploração do espaço. O PÚBLICO perguntou ao assessor de Sá Fernandes que destino é que vai ser dado a esse edifício e a resposta foi a de que “está em estudo”. Quanto ao futuro dos 13 hectares do antigo clube, a resposta foi quase a mesma: “Está em estudo, no entanto pretende-se que uma parte substancial seja integrada no Parque Florestal de Monsanto.”

Três famílias sem luz há sete meses
Três famílias de antigos empregados do clube de tiro, uma delas constituída apenas por uma octogenária, vivem sem energia eléctrica da rede pública nas casas em que habitam há décadas, no interior do recinto. A ligação à rede foi cortada há cinco anos, quando o clube cessou a sua actividade, embora a concessão dos terrenos continuasse em vigor. 

Nos quatro anos seguintes, os moradores, que então eram em maior número, passaram a servir-se, por favor e apenas durante três horas por dia, da energia produzida pelo gerador adquirido pelos donos do restaurante situado a duas centenas de metros. 

Em Abril deste ano ficaram literalmente às escuras depois de os cabos que ligavam as suas casas ao gerador terem sido roubados. Nove meses antes, em Julho de 2014, quando ainda recebiam a energia do restaurante, tinham-se reunido com Sá Fernandes, que lhes prometeu uma solução rápida. “Ele foi muito atencioso comigo e no fim até me deu um beijinho, mas até agora ainda não fez nada apesar não termos luz nenhuma há sete meses”, conta Isabel Correia, de 85 anos.

No mês passado, questionado sobre o assunto na reunião de câmara, o vereador afirmou que está a tentar resolver o problema. Nesta sexta-feira fez saber ao PÚBLICO que a câmara “está à procura de uma solução junto da EDP para retomar o fornecimento de energia tão depressa quanto possível”. Por outro lado, informou que “embora o destino a dar ao clube de tiro esteja em estudo, pretende-se envolver estas famílias na solução que venha a ser adotada, permitindo que possam ficar no espaço”.

Aos próprios moradores, diz Isabel Correia, assegurou que a câmara autorizaria a permanência no local até morrerem. Um dos mais velhos morreu em Setembro.
 

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