Avolumam-se as queixas contra serviço da CP na linha do Douro

Carruagens lotadas, falta de lugares sentados, atrasos e supressão de comboios são as queixas apontadas pelos utilizadores.

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Clientes, empresas, instituições estão unidas nas críticas ao serviço da CP no Douro NELSON GARRIDO

A habitual visita aos pais, em Lamego, de Joel Reis tornou-se, este domingo, insuportável. No regresso ao Porto, onde mora, o jovem deparou-se com um cenário caótico no comboio da CP que partia, ao final da tarde, da Régua, com centenas de pessoas apinhadas num espaço pensado para 70. Os ecos do mau serviço da CP naquela linha, que este fim-de-semana motivou queixas de operadores turísticos, ainda se fazem sentir. Esta semana, o PSD, uma associação ligada ao turismo e o organismo regional deste sector criticaram a forma como a empresa pública trata o Douro. Joel Reis não teve dúvidas. O que viu foi tão mau que fez uma queixa no livro de reclamações, exigindo, pelo menos, um pedido de desculpa da transportadora. 

Joel Reis, 28 anos, visita frequentemente os pais em Lamego. Habituado aos atrasos que diz serem comuns naquela linha, no domingo, na Régua, quando entrou no comboio das 18h48, que tinha como destino Porto-Campanhã, deparou-se com um cenário caótico. "Estavam à vontade 300 pessoas naquela carruagem. Fui uma hora e 42 minutos de pé porque não havia lugares nos bancos. Muitas pessoas estavam sentadas no chão e havia pessoas quase a desmaiar porque não se conseguia respirar”, disse. Cansado de viajar "sem o mínimo de condições", quando chegou ao seu destino, Joel Reis fez uma reclamação por escrito à empresa Comboios de Portugal (CP). A queixa de Joel não é um caso isolado. Na página de facebook da CP, podem ler-se mais comentários que denunciam que as viagens de comboio pelo Douro se fazem "de pé, como sardinhas enlatadas e sem ar condicionado". 

As queixas relativas ao serviço que a CP presta na linha do Douro, que liga S. Bento ao Pocinho, têm-se avolumado nos útlimos dias. Depois de três empresas operadoras de passeios de barco no Rio Douro terem acusado, no fim-de-semana, a empresa ferroviária de prestar “mau serviço” que dizem prejudicar “seriamente a actividade económica” da região, também os deputados do PSD, eleitos por Vila Real, questionaram a CP sobre a supressão e sobrelotação dos comboios no Douro. Esta terça-feira, foi a vez da Associação dos Empresários Turísticos do Douro e Trás-os-Montes (AETUR) e do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP) se mostraram descontentes com a falta de investimento que consideram estar a ser feito pela empresa, na região. 

“Recentemente, a CP tem disponibilizado apenas uma carruagem. Costumam circular duas. Já se sabe que esta é uma altura com muito turismo e eles em vez de pôr mais carruagens ainda tiraram uma”, assinalou Joel Reis. "Dei-me ao trabalho de apresentar uma queixa porque me fartei. Eu pago 9,60 euros para ter o mínimo de condições”, notou. 

Também António Cardoso, 22 anos, afirmou que os atrasos dos comboios da linha do Douro “são recorrentes, às vezes superior a 20 minutos”. O jovem, que já chegou a fazer duas viagens por semana naquela linha, refere que, principalmente no Verão, as carruagens costumam andar lotadas porque circula “quase sempre só com uma locomotiva e às vezes sem ar condicionado. Raramente reforçam, apenas duas vezes por dia, no máximo, três”, notou. 

Na página de facebook da CP, podem ler-se alguns comentários de utilizadores que se queixam das carruagens lotadas, da falta de lugares sentados, dos atrasos e supressão de comboios. “Como é possível que a CP venda um 'pacote' para uma viagem turística no comboio histórico Régua-Pinhão-Tua, com ligação a partir do Porto, sem acautelar as condições mínimas para os passageiros na ligação Régua-Porto? Admite-se que após a fantástica viagem no comboio histórico entre a Régua e o Tua e regresso, os passageiros que compraram a viagem com uma semana de antecedência, sejam obrigados a regressar ao Porto, de pé, como sardinhas enlatadas, e sem ar condicionado? É assim que pretendem promover o turismo?”, pode ler-se num comentário deixado por uma utilizadora que seguia no mesmo comboio que Joel Reis apanhou no domingo. 

Impactos no turismo da região

Na carta que enviou esta terça-feira à CP, e que foi citada pela Lusa, a Associação dos Empresários Turísticos do Douro e Trás-os-Montes considera que a região tem sofrido “um crescente desinvestimento, baixa de qualidade de transporte, desadequação de oferta às necessidades turísticas do vale do Douro”, o que torna o “serviço inadequado e ostracizante”.  

A associação, com sede em Vila Real, sustenta que esta tomada de posição surgiu depois de ter recebido “manifestações de desagrado por parte das empresas regionais de turismo, associados e outros, pelos prejuízos que a actual situação corporiza”. E que foram motivadas pelas queixas dos clientes às operadoras turísticas que ofereciam, além da viagem de barco no Douro, o percurso de comboio. “Os clientes não reclamam à CP, vêm ter connosco porque fomos nós que lhes vendemos o serviço. E acabam por pedir o reembolso de uns serviços que não tiveram”, referiu Matilde Costa, directora-geral da Barcadouro, uma das três empresas que se dizem lesadas com o “mau serviço” da CP

Para a AETUR, “esta trajectória de marginalização territorial vem acentuar os desequilíbrios regionais, fazendo passar a ideia de que se vive num território periférico e até descartável”. A organização lembrou ainda que “a perda de qualidade do serviço ferroviário” põe em causa um “conjunto de investimentos públicos e privados na região", nomeadamente nas áreas agro-alimentar e turística. Os empresários turísticos acusam ainda a CP de ir “em contramão com a mobilização nacional e regional”, salientando que é “indispensável garantir e melhorar as diferentes tipologias de mobilidade aos habitantes e aos turistas, cuja importância na economia regional e nacional é por demais reconhecida". Ideia partilhada pelo presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP) para quem a "linha férrea e o comboio é hoje um motivo de atractividade para alavancar a promoção turística" do Douro. 

À Lusa, Melchior Moreira acusou os sucessivos governos de terem apostado “no alcatrão, esquecendo um pouco a importância económica que a linha férrea podia ter no país”. O responsável referiu, contudo, que tem estado em contacto com a CP e com a REFER, e que ambas as entidades consideram que se deve "investir muito, muito, mas muito, na linha férrea". E recordou que foram lançados dois concursos para a electrificação da linha até ao Peso da Régua e Pinhão que serão “fundamentais para o crescimento da economia e para o crescimento do turismo do Douro".

Texto editado por Abel Coentrão

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