Autarcas de Lisboa acreditam que reforma trouxe ganhos para as populações

Há um ano, as freguesias da cidade ganharam competências, equipamentos e recursos humanos. Câmara e presidentes de junta assumem as dificuldades, algumas ainda por resolver, mas fazem um balanço positivo. O PCP mantém as suas reservas.

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A higiene urbana é uma das áreas em que os autarcas consideram ter havido melhorias Enric Vives-Rubio

Foi a 10 de Março de 2014 que as juntas de freguesia de Lisboa herdaram da câmara mais de mil trabalhadores, cerca de 700 equipamentos e um conjunto de competências, em áreas como a higiene urbana e a gestão de espaços verdes. Um ano depois, os presidentes de junta ouvidos pelo PÚBLICO são unânimes em reconhecer que houve melhorias no serviço prestado à população, mas continuam a dizer que é insuficiente a existência de apenas um eleito a tempo inteiro.

Essa avaliação, feita pelos presidentes das juntas de freguesia da Alvalade (PS), Estrela (PSD), Carnide (PCP) e Parque das Nações (movimento independente Parque das Nações por Nós), é aliás partilhada pelo vereador Duarte Cordeiro. Em nome da Câmara de Lisboa, o autarca do PS subscreve aqueles dois pontos: defende que “há áreas em que qualquer cidadão consegue ver melhorias evidentes” no último ano e reconhece que “há juntas que têm uma enorme dimensão, que justificaria perfeitamente dois tempos” inteiros, remunerados, para membros do executivo.

Mas afinal que melhorias no serviço são essas de que falam os autarcas ouvidos pelo PÚBLICO? A área da higiene urbana, na qual as freguesias passaram a ser responsáveis pela lavagem e varredura das ruas, é talvez aquela em que há mais consenso, havendo também quem aponte a gestão dos espaços verdes, a manutenção dos pavimentos pedonais, a relação com os munícipes e a rapidez com que se têm feito algumas pequenas obras como benefícios concretos da reforma administrativa da cidade.

No caso de Alvalade, uma das maiores conquistas deste último ano foi a certificação do seu serviço de higiene urbana. O presidente da junta diz que avançar com ela foi um acto de “coragem”, por estar em causa “o sector mais difícil do ponto de vista operacional”, mas frisa que há já “resultados no terreno”. As reclamações, nota André Caldas, diminuíram, os comentários positivos apesar de serem “raros” aumentaram e os “indicadores parametrizados ao nível do sistema de gestão de qualidade” denotam que houve “melhorias”.

“Somos muito mais eficazes do que a câmara na limpeza do espaço público, não tenho dúvidas nenhumas”, diz por sua vez o presidente da junta de Carnide, que acredita que também a Biblioteca Natália Correia (que foi alvo de obras assim que passou para a alçada da freguesia) tem agora “uma melhor gestão”. À lista de pontos positivos, Fábio Sousa acrescenta a resolução de “uma série de situações que estavam pendentes”, por exemplo ao nível das taxas aplicadas aos feirantes do Mercado do Bairro Padre Cruz ou de reparações na Escola Aida Vieira.

“Na área social, na educação, na cultura, no desporto e no atendimento ao público a situação melhorou substancialmente”, avalia o presidente da junta do Parque das Nações, que defende os órgãos autárquicos prestam hoje “um melhor serviço à população”. José Moreno menciona ainda o caso da Piscina do Oriente, onde estão em curso uma série de reparações que vão permitir melhorar o seu funcionamento, destacando no entanto que estão em causa “inúmeras deficiências” que a câmara devia ter resolvido antes de transferir o equipamento para a freguesia.

Estrela mais próxima dos moradores
Já na freguesia da Estrela, o presidente da junta sublinha o trabalho que tem sido feito para tornar mais próximo o contacto com os moradores. Um exemplo disso é o Geo Estrela, uma aplicação na Internet através da qual os cidadãos podem reportar “o que está mal”, com a promessa de que os problemas serão resolvidos “rapidamente”.

“Nos últimos três meses tivemos mais de mil interacções através do Geo Estrela”, diz Luís Newton, explicando que isso significa “um aumento de quase 600% na média diária de contactos com a população”. O autarca garante que a “capacidade de resposta” às situações reportadas “está a subir”, notando com orgulho que a junta leva menos tempo a encontrar soluções para os problemas do que a câmara.

Há também quem fale em ganhos em áreas laterais àquelas que foram objecto de descentralização de competências, ou em “externalidades positivas”, como lhe chama o presidente da junta de Alvalade. Como exemplos, André Caldas lembra que a junta tem vindo a desenvolver iniciativas ao nível da promoção do comércio local que “a câmara jamais poderia ter interesse em desenvolver” e também o facto de determinados projectos passarem a ser vistos pela freguesia como prioritários, o que poderá colocar maior pressão no seu desenvolvimento pelo município.

Na área dos Direitos Sociais foram apenas quatro os programas que agora passaram formalmente para a esfera das freguesias, sendo certo que no passado a responsabilidade de os concretizar era já das juntas, através de protocolos firmados nesse sentido. Ainda assim, a “sensação” do vereador João Afonso, que concluiu recentemente um périplo pelas 24 juntas para dar a conhecer os objectivos do pelouro e perceber como podiam as diferentes entidades “trabalhar em conjunto”, “as freguesias fazem muito mais do que apenas implementar os projectos que foram delegados”.

“O trabalho que desenvolvem em termos de acção social é muito maior”, constata o autarca dos Cidadãos por Lisboa, que acredita que com a reforma administrativa as juntas ganharam “capacidade técnica e disponibilidade de meios”. Além disso, diz João Afonso, são hoje “parceiros muito mais capacitados para intervir em todas as respostas sociais”.

“Há áreas em que qualquer cidadão consegue ver melhorias evidentes”, diz por sua vez o vereador Duarte Cordeiro, que coloca a higiene urbana (área que tutela) à cabeça. O autarca do PS entende que essas melhorias são fruto de “uma gestão de proximidade, atenta e preocupada” e acrescenta que na maioria dos casos as juntas “com o dinheiro que recebem fazem melhor” do que fazia antes a câmara.

Críticas à gestão do processo
Particularmente crítico desta reforma administrativa tem sido o PCP. O presidente da junta de Carnide sublinha que se mantém a oposição do partido “à forma como foi gerido este processo”. “Não somos contra a descentralização, bem pelo contrário. A nossa freguesia era a que tinha mais, até nos chamavam campeões da descentralização, mas a anterior era negociada, esta foi imposta”, sublinha Fábio Sousa.

Também o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa tem vindo a denunciar os problemas nascidos desta reforma administrativa, incluindo a “pulverização” do trabalho precário e a carência de pessoal com que a maioria das juntas continua a debater-se. Vítor Reis, presidente do sindicato, considera que salvo algumas excepções não se pode falar numa melhoria do serviço prestado às populações e diz que nalgumas áreas, como a higiene urbana, continua a haver “um certo jogo do empurra” entre câmara e juntas.

André Caldas, de Alvalade, reconhece que “vai sempre haver desinteligências interadministrativas” entre os diferentes órgãos autárquicos e “zonas de fronteira”, mas defende que tudo isso pode ser ultrapassado com “diálogo” entre as partes. “Mantenho-me um entusiasta desta reforma e estou sinceramente convencido de que quando todos os aspectos estiverem devidamente alinhados vai demonstrar-se todo o seu potencial”, conclui o autarca socialista, que chama às dificuldades deste primeiro ano “dores de crescimento”.

Também Luís Newton, da Estrela, diz que este processo “corre dentro do que era expectável para uma reforma desta dimensão” e sublinha que há, “de parte a parte, vontade e disponibilidade para continuar a melhorar”. O que não quer dizer, sublinha, que não haja aspectos que precisam de ser “afinados”.    

“Esta reforma foi um passo positivo para a cidade, para dada uma das suas 24 freguesias”, avalia por sua vez José Moreno, do Parque das Nações. Ainda assim, o autarca não esconde que no seu território há ainda problemas por resolver, por exemplo ao nível das instalações da junta e da insuficiência de pessoal em áreas como a do licenciamento.

Pela câmara, Duarte Cordeiro faz uma apreciação “muito positiva” deste processo, lembrando que “uma reforma desta magnitude tem o seu tempo”, tanto para as juntas como para a própria câmara, que tem que “adaptar-se à sua nova realidade”. Desde a assinatura em Março de 2014 dos autos de transferência, sintetiza o autarca, transitaram do município para as juntas 1270 trabalhadores, mais de 700 equipamentos e 350 hectares de espaços verdes.

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