Associações de regantes do Alqueva só existem no papel

Ministério da Agricultura exigiu a sua formação, mas privou-as do objecto para que foram constituídas: gerir a rede de rega que depois foi atribuída à EDIA.

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O Ministério da Agricultura concedeu a gestão da rede secundária de rega no Alqueva à EDIA até 2020 Nuno Oliveira

A actividade das associações de Beneficiários de Rega de Monte Novo e do Ardila Enxoé, no Alentejo, constituídas respectivamente em 2009 e 2011 para fazer a gestão da rede secundária de rega que até ao final de 2015 fornecerá água a uma área com quase 40.000 hectares, é praticamente nula desde a sua criação.

“Somos uma associação apenas de nome”, confessa Gonçalo Macedo, presidente da associação de Monte Novo, que deveria ter a seu cargo a gestão de quatro blocos de rega com quase 9.000 hectares. E descreve uma realidade que classifica de “absurda”.

O Ministério da Agricultura “impôs a formação das novas organizações de regantes” e conferiu-lhes o estatuto de “pessoa colectiva de direito público”, mas estas associações “não têm receitas, nem despesas, nem sócios, nem sede”, sintetiza o dirigente associativo.

José Saramago de Brito, que preside à Associação de Beneficiários de Ardila/Enxoé, faz um diagnóstico semelhante. “Por ordem do Estado”, a associação foi criada para fazer a gestão da rede secundária de rega de um território com cerca de 30.000 hectares, na margem esquerda do Guadiana.

"Fizemos uma escritura da associação, demos início à actividade, somos obrigados a ter um contabilista que recebe uma avença, mas não temos condições para associar agricultores porque não dispomos de meios para lhes prestar qualquer serviço, nem sede para a associação” – um constrangimento que obriga a fazer as assembleias gerais numa casa emprestada. “Somos uma associação esvaziada de funções”, sintetiza Saramago de Brito.

Reagindo às críticas recorrentes dos dirigentes associativos, José Pedro Salema, presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), entidade que detém a concessão da rede secundária de rega do Alqueva, incentivou-os durante um colóquio realizado no último certame da Ovibeja, em Abril/Maio, “a fecharem as portas se não têm nada para fazer, nem condições para suportar os custos de funcionamento”.

Os visados alegam que foi a tutela a “impor” a constituição das associações para gerir a rede secundária de rega que fornece água aos cerca de 130 mil hectares de novos regadios no Alqueva. Acontece que, em 2013, o então Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território atribuiu a concessão da rede secundária de rega à EDIA, até 2020.

Um projecto desta envergadura “coloca desafios e competências que vão muito para além das capacidades de uma associação de regantes”, sustenta José Pedro Salema, frisando que “é preciso fiscalizar entre 2015 e 2020 as obras realizadas para saber se os empreiteiros cumprem com as suas obrigações”, e só a EDIA tem condições para o fazer.

Pedro Teixeira, director-geral da Agricultura e Desenvolvimento Regional, confrontado no colóquio da Ovibeja com a situação das novas associações de regantes, constatou a “incongruência das entidades gestoras que não gerem” por estarem “privadas do objecto para o qual se constituíram”.

Na resposta às questões colocadas pelo PÚBLICO, o Ministério da Agricultura e do Mar confirma que as associações “representam os interesses dos agricultores regantes e são interlocutores face à administração central” e são “parte interessada” na concessão dos novos regadios. No entanto, “não é obrigatório, perante a lei actual, que venham a ser entidade gestora do aproveitamento hidroagrícola”, concretizada que está “a concessão da rede secundária de rega à EDIA até 2020”. O ministério acrescenta que “está a ser analisado o enquadramento legal destas associações colectivas de direito público”.  

O Governo anunciou para o final de 2015 a conclusão de todo o sistema de rega do Alqueva. Actualmente estão constituídas cinco associações de beneficiários de rega para fazer a exploração dos perímetros do Roxo (23.342 hectares), Odivelas (36.494 hectares), Monte Novo (8.987 hectares), Ardila e Enxoé (30.148 hectares) e Freguesia da Luz (591 hectares). Está por criar a Associação de Beneficiários de Rega da Região de Beja, para explorar um perímetro com 24.973 hectares.

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