Assembleia dá apoio unânime à luta da Câmara do Porto contra fusão das águas

Todo os partidos recusam extinção da empresa Águas do Douro e Paiva, decretada pelo Governo contra vontade dos municípios que a integram.

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Governo decretou a extinção da empresa Águas do Douro e Paiva, contra a vontade dos municípios. Ana Luísa Silva

Rui Moreira obteve segunda-feira à noite o apoio de todos os partidos à acção judicial com a qual a autarquia pretende travar a extinção da empresa Águas do Douro e Paiva e a integração dos seus activos na empresa Águas do Norte e denunciou que a reforma do sector das águas inclui, um “sinistro efeito de Spill Over ao contrário”. Para o autarca do Porto, a sede da empresa que, no centro, agregará entre outras a EPAL, vai ser transferida para a Guarda para que a empresa possa usar na Grande Lisboa fundos europeus destinados a regiões pobres do país.

Havia vários e importantes motivos para que a assembleia municipal do Porto desta segunda-feira à noite não terminasse a agenda de trabalhos, obrigando ao seu prolongamento na próxima semana, como ficou acertado. Entre eles, para além de um número inusitado de votos de pesar, estava a importância política de algumas das moções apresentadas pelos partidos, abordando temas como a recente concessão do metro a um consórcio catalão (apenas defendida pelo PSD), entre outros.

O debate relegou para lá da meia-noite a obrigatória discussão e votação dos documentos de prestação de contas do município, relativos a 2014, e a aprovação do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos que, aprovado por unanimidade, ainda teve direito a uns dez minutos de discussão quando o relógio se aproximava das duas da manhã e o muito público inscrito saíra já quase todo da sala, cansado de esperar. 

Um dos temas que acabou por marcar a reunião foi a chamada “reforma da água”. PS e CDU levavam duas moções muito críticas do processo de fusão das empresas de abastecimento de água em alta, que está a gerar uma guerra entre muitos municípios e o Governo, e foram interpelados por André Noronha, do grupo “Porto, o Nosso Partido”. Este desafiou-os a combinarem, ali mesmo, uma data para uma reunião extraordinária sobre este tema que, notava, não era um problema do Porto, mas do país, mas sobre o qual, assumiu, era importante tomar uma posição, se não unânime, pelo menos maioritária.

Nessa altura, Rui Moreira pediu para intervir e deixou uma mensagem clara à assembleia. Independentemente das moções que os deputados viessem a aprovar, a câmara já decidiu que combaterá a decisão do Governo nos tribunais “até às últimas consequências” se, na nova assembleia-geral da Águas do Douro e Paiva, que os municípios convocaram, o processo de extinção da empresa não for cancelado. O autarca assinalou que há autarquias do interior do país que “não foram no canto da sereia”, a promessa de uma redução das tarifas, e acompanham os municípios que optaram pela via judicial.

Perante o discurso do presidente da câmara, foi pedida a suspensão dos trabalhos para que PS, CDU e o grupo que apoia Moreira escrevessem uma nova moção, criticando a reforma e dando apoio às iniciativas que o município vier a desencadear para impedir uma medida que, dizem, vai implicar um aumento de 40% no preço da água em alta, nos próximos cinco anos. Esta foi aprovada por unanimidade, já que, mesmo encontrando mérito nos aspectos gerais da política definida pelo Ministério do Ambiente, o próprio PSD considera que o distrito do Porto sai penalizado.  

Orçamento aprovado só pela maioria
Esta discussão em torno de um assunto sensível – e que está a ter repercussões em todo o país – relegou para muito tarde o debate sobre os documentos de prestação de contas, que obtiveram a abstenção do PSD mas foram muito criticadas pela CDU e pelo Bloco de Esquerda. Estes viram na poupança orçamental extraordinária gerada no ano passado não um indicador de boa gestão mas um sinal da quebra acentuada de investimento na cidade, crítica que Moreira e vários deputados do seu grupo se esforçaram por rebater sem que, com isso, conseguissem evitar o esperado voto contra destas duas forças.

A CDU - que criticou uma excessiva carga fiscal sem contraponto em investimento público - o CDS e o PSD defenderam que o executivo analise a possibilidade de aprovar, para o Orçamento de 2016, uma redução do Imposto Municipal sobre Imóveis, o IMI, cuja cobrança ficou acima do esperado. Rui Moreira lembrou, no entanto, que a câmara continua sem saber o que vai acontecer ao Imposto Municipal sobre as Transações (IMT), que o Governo pretende extinguir em 2017. No ano passado, só em IMT, a Câmara do Porto obteve 12,3 milhões de euros. 

Os comunistas acusaram ainda Rui Moreira de ter demorado a avançar com a reabilitação do Mercado do Bolhão, que foi agora anunciada, mas cujo concurso será lançado apenas no final do ano. O autarca explicou que poderia ter avançado de imediato com o “excelente” projecto da Direcção Regional de Cultura do Norte, do arquitecto João Carlos Santos, aprovado ainda no mandato anterior. Mas nas conversas com o vereador do urbanismo, Correia Fernandes, decidiu-se que se deveria fazer um levantamento minucioso das pessoas que trabalham no mercado, para que o novo projecto reflectisse as suas necessidades, trabalho que levou bastante tempo, justificou.

Segundo Moreira, a caracterização conseguida com as entrevistas feitas a todos os comerciantes "é tão interessante" que a autarquia está a contactá-los de novo para perceber se eles abdicam da confidencialidade com que se dispuseram a falar, de modo a que o trabalho possa ser publicado. “Se queremos um mercado com pessoas e para as pessoas, tínhamos que fazer isto”, assinalou o autarca, recusando transformar o Bolhão num sítio apenas para turista ver. E num momento em que muito se fala do risco de gentrificação da cidade – substituição de gente de origem mais modesta por habitantes de estratos sociais mais altos nas zonas requalificadas – o autarca argumenta que o projecto escolhido combate esse fenómeno.

Homenagem a Oliveira e Rebordão Navarro
No período antes da ordem do dia da Assembleia Municipal de segunda-feira à noite, os partidos apresentaram vários votos de pesar, aprovados por unanimidade, pelo desaparecimento de um conjunto de figuras, de vários domínios: o antigo autarca de Aveiro Girão Pereira (evocado pelo centrista André Noronha, da lista de Rui Moreira); os académicos Mariano Gago e Baquero Moreno, o ex-ministro José Silva Lopes, o poeta Herberto Hélder e o realizador Manoel de Oliveira (lembrados pelo PS) e escritor António Rebordão Navarro. No caso deste último, a assembleia municipal convidou o historiador Hélder Pacheco, que se estreou numa assembleia municipal para fazer um sentido elogio às qualidades humanas e literárias do seu amigo de 40 anos.

O presidente da Câmara, Rui Moreira, anunciou entretanto que o Rivoli vai acolher a estreia do filme inédito de Manoel de Oliveira Visita ou Memórias e Confissões, na próxima segunda-feira, altura em que as duas salas do teatro municipal passarão a chamar-se Grande Auditório Manoel de Oliveira e Auditório Isabel Alves Costa, numa homenagem a outra figura ímpar da cultura portuense, antiga directora artística do Rivoli, falecida em Agosto de 2009.

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