"Área Metropolitana do Porto não vai longe com o modelo que o Governo lhe impôs"

Eduardo Vítor Rodrigues, o socialista que conquistou a presidência da Câmara de Gaia, promete não desinvestir no Conselho Metropolitano, mas não recua na defesa da Frente Atlântica, a associação com Porto e Matosinhos.

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Fernando Veludo/NFactos

É assombrado pelo fantasma de Luís Filipe Menezes, a recordar-lhe a obra e as dívidas que ele deixou em Gaia?
Não vejo fantasma nenhum do dr. Menezes. Foi um bom presidente de câmara, com muita obra feita, que deu um impulso importante ao município. Mal seria que alguém que esteve na câmara 16 anos não deixasse uma imagem positiva. Não tenho complexos de inferioridade em relação aos antecessores, tenho a auto-estima em bom nível. O dr. Menezes deixou muita obra, mas também deixou a câmara com uma situação muito difícil e dossiers muito pesados. Tenho tentado gerir isso sem fazer uma perseguição ao passado. Se quer que lhe diga, até sinto que hoje o dr. Menezes faz parte do passado de Gaia. Por aquilo que vejo na rua, as pessoas prezam-no, mas fizeram uma transição tranquila. Muitas vezes o mediatismo de Gaia foi feito à custa de folclore, que custou muito caro ao município. Acho que me encaixo melhor no modelo de político que as pessoas querem actualmente, menos exibicionista, mais humilde, mais próximo dos cidadãos. Esse foi um dos meus lemas da campanha: um presidente que é uma pessoa normal.

As últimas autárquicas não correram bem ao PS no distrito.
Eu acho que é Gaia que salva o PS, se calhar nem só a nível distrital. Devo dizer que partilho esta vitória com o secretário-geral, que teve em Gaia um papel muito importante. O PS sai das autárquicas no distrito com um problema, é evidente. Sai com uma derrota que nunca tinha ocorrido desde o 25 de Abril num bastião como Matosinhos e com uma situação no Porto que não deixa de ser menos agradável. Acho que é importante reflectir, sobretudo sobre a organização e vida interna do partido, para que se perceba que muitas vezes o modelo basista acaba por destruir trabalho feito.

Está a pensar no caso de Matosinhos, onde o candidato do PS foi eleito presidente da concelhia e logo eleito pela concelhia candidato do PS à câmara, em detrimento do presidente em exercício que teve de se recandidatar como independente?
A situação é conhecida. Qualquer indivíduo com meia dúzia de coroas toma conta de um partido e é candidato a uma junta ou a uma câmara. Isto é um problema dos partidos do poder, PS e PSD. Das duas uma: ou se abre ainda mais a escolha dos candidatos, com uma espécie de primárias abertas aos simpatizantes; ou é o modelo basista que tem de ser revisto.

A distrital do PS lidou bem com os resultados?
Acho que a distrital do Porto tem legitimidade para continuar. A culpa não pode morrer solteira, mas também não pode ser atribuída individualmente. O partido não percebeu qual era o tipo de político que os cidadãos ambicionavam nesta altura. O caso do Porto é diferente, o PS teve um grande candidato em Manuel Pizarro. Mas, enfim, aí havia outros ventos, que têm muito a ver com a ideia que subsiste no Porto de que a cidade precisa de uma figura providencial.

Rui Moreira desempenhou esse papel?
Claramente, sobretudo para as elites que tendem a pedir figuras providenciais, que a história mostra não existirem. Mas por tudo quanto tenho visto, acredito que Rui Moreira será um excelente presidente de câmara.

Manuel Pizarro fez bem em integrar uma solução de governo no Porto?
É uma solução de risco, mas acho importante que se distinga o que é estrategicamente melhor para o PS do que é melhor para a cidade.

Será difícil encontrar políticos a reconhecerem que os interesses dos seus partidos não coincidem com os da cidade…
Mas muitas vezes não coincidem mesmo. Gaia também é um exemplo. A solução de governo que se encontrou não é a mais ortodoxa [acordo com o independente Guilherme Aguiar], criou-nos algumas dificuldades, mas é a melhor para a cidade. Mas dos contactos que mantenho com a Câmara do Porto concluo que a presença de Manuel Pizarro no executivo vai ser muito importante para a cidade e para a região.

Estava a contar com esta polémica na Área Metropolitana do Porto (AMP) à volta da associação Frente Atlântica (FA), criada por Porto, Gaia e Matosinhos?
Não estava. O que se gerou aqui foi um movimento de inveja e de mesquinhez. Na campanha eleitoral assumi publicamente uma associação de municípios que envolvia Gaia, Gondomar, Valongo e Maia – o Acordo de Valbom, que visava garantir interesses comuns, que são diferentes dos de Arouca ou São João da Madeira, independentemente de pertencermos todos à AMP. Temos problemas que são comuns e outros que não são e que têm de ser tratados a uma escala mais pequena. O Acordo de Valbom, da cintura do Grande Porto, era um acordo de boa-fé, não era divisionista. Como é que agora alguém [o presidente da Câmara da Maia, o social-democrata Bragança Fernandes] que também o pode dizer que a FA é divisionista? Outro exemplo: Arouca, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis [município liderado do Conselho Metropolitano, Hermínio Loureiro] já têm uma associação de municípios. Também são divisionistas? Estas reacções não têm nada a ver com a região, mas com desejos de protagonismo. Percebo que quem está na política há 30 anos ache estranho que quem chega agora tenha este tipo de comportamentos, porque o que tivemos nesses 30 anos foi de facto divisionismo, cada um a puxar por si, conflitos. O que deu origem à FA foi uma coisa muito simples. Há dossiers nestes três municípios, que representam mais de 700 mil pessoas, que têm que ser resolvidos entre eles. Depois, o próximo Quadro Comunitário de Apoio (QCA) assentará nos Investimentos Territoriais Integrados, que têm uma escala supramunicipal mas inframetropolitana. E a FA não impede que Gaia continue a ser parte activa na AMP, reconhecendo, contudo, que esta, com o modelo que o Governo lhe impôs, não vai longe. O que era expectável era que nos uníssemos por objectivos comuns, e não uns contra os outros. A Administração dos Portos de Douro e Leixões está sem administração efectiva há imenso tempo e ninguém se queixa. Tem a ver com a intenção do Governo de centralizar a administração portuária em Lisboa ou Sines? Ninguém pia. O Aeroporto Sá Carneiro sofreu nas últimas semanas o maior rombo para o seu futuro, com a abertura da base da Ryanair em Lisboa. E ninguém piou. O próprio modelo de gestão do aeroporto como está? A própria Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) está sem peso político, gestionária. Falta-lhe um envolvimento mais forte das autarquias, que também não perceberam que a CCDRN pode ser o grande interface técnico e financeiro com o QCA. Em vez de termos uma posição comum contra os desmandos centralistas, seja de que Governo for, andamos aqui com guerrinhas mesquinhas, só porque um foi almoçar com outro e outro fez um acordo com aquele. A região merece mais do que isto.

Estas trocas de acusações de divisionismo, inveja e mesquinhez significam que o Conselho Metropolitano (CM) está morto?
O novo modelo da AMP é mau, porque esvaziou por completo os poderes dos autarcas do CM. A AMP tem outro órgão, o Conselho Executivo (CE), que é o que tem de facto poder. Defendo um modelo diferente, que passe pela eleição directa do CE, e não por votações em assembleia municipais que não têm nenhuma noção da acção executiva. O Governo fez este modelo errado para decapitar a AMP.

Acredita nessa premeditação?
Sim, porque este é o Governo mais centralista do pós-25 de Abril e está a fazer muito mal à região. Muita gente bateu palmas ao encerramento do Governo Civil e da Direcção Regional de Educação do Norte. Você hoje quer comprar uma cadeira para uma escola e fica três meses à espera da autorização de Lisboa. O Governo Civil era uma estrutura importantíssima na área da Protecção Civil. Quando se fala de racionalizar o Estado, são sempre as regiões que levam no corpo. Por cada serviço que fecha no país abre-se um em Lisboa. Este CM não é o órgão mais interessante, mas farei tudo, enquanto autarca de Gaia, para o valorizar. Aliás, já fui mais vezes ao CM do que dr. Menezes em 16 anos. E acredito que é possível trabalharmos ali em conjunto. A representação do Norte não pode estar assente numa pessoa. Hoje ainda há quem procure um novo Fernando Gomes ou um Pinto da Costa da política. Mas o Norte não se vai afirmar através de um homem providencial, mas com uma estratégia colectiva. Senão, um dia destes Lisboa está a construir um novo aeroporto e nós a discutir quem fica na fotografia do debate sobre não sei o quê.

O que falta à CCDRN para “federar” mais a região?
O prof. Emídio Gomes merece-me a maior das considerações, chegou foi numa altura de pré-campanha eleitoral autárquica. Quando falo da necessidade de reforçar o peso da CCDRN é em defesa do seu presidente, que precisa de mais margem de intervenção, até política, em áreas que são decisivas para a região e que estão dispersas. Veja o turismo: a lógica centralista do Instituto do Turismo na gestão de assuntos que são do maior interesse para a região é uma coisa que me assusta e que gostava de ver corrigida. E acho que o seu interlocutor privilegiado deveria ser a CCDRN, que tutela os fundos comunitários, e o próprio CM.

De volta a Gaia. O que vai levar o professor Eduardo Vítor Rodrigues a concluir “passei/chumbei” na auto-avaliação do final deste mandato?
Primeiro, a mais simbólica de todas, mas que para mim é a mais importante: provar que é possível um cidadão normal, que não aparece nas revistas, que fez os seus estudos, ser presidente de câmara. Que isto não é um feudo de uma nomenklatura e que a política se faz não a pensar numa carreira mas num conjunto de ideias. Depois, eu acho que a política tem de voltar ao tempo do rigor na gestão, que vê no dinheiro do povo um bem sagrado que não se pode estragar em megalomanias. Em terceiro lugar, acho que é preciso mostrar a partir de Gaia que muitas das medidas que o Governo tomou são erradas. Gaia está para o país como o país está para a Europa, com a crise financeira. O país, quando teve de regularizar a dívida, esmagou a classe média e os mais pobres. Eu acho que é nos momentos de crise que as pessoas mais precisam de ajuda. Apesar das dificuldades financeiras de Gaia, baixamos o IMI, a derrama e a factura da água, a partir de 1 de Janeiro de 2014. A boa gestão e o combate à dívida não são incompatíveis com um alívio dos encargos para as classes médias e mais pobres. O que custa nesta crise é ver que há um grupo que está a enriquecer estupidamente à custa dela. Isto já não é bem uma crise, parece ser uma reorganização do modelo capitalista. É nestas alturas que o Estado, central ou local, tem de assumir as suas responsabilidades e em que a sua função redistributiva é fundamental. Este era o programa que eu tinha antes das eleições que a comunicação social não valorizou. A questão que os media colocavam era a de saber quantas pontes iam ser construídas. E como eu não propunha nenhuma ponte nova, nunca tive grande voz.

A FA é um atalho para a fusão Porto-Gaia, um tema recorrente como o das pontes?
Um dos grupos que mais criticou a FA foi um grupo dos defensores da fusão Porto-Gaia, como vê quem acompanha os posts no Facebook do dr. Menezes. Para alguns, os últimos 12 anos mostraram que só era possível haver relações entre Porto e Gaia, se os municípios se fundissem. Não é preciso fusão nenhuma, isso é um disparate absoluto. Muitos dos conflitos entre Porto e Gaia decorreram de vaidades pessoais, de lutas internas de partidos e tralhas do género.

Gaia acaba de aprovar o orçamento. Qual é a dívida?
São 232 milhões de médio e longo prazo, 42 milhões de curto prazo e temos ainda as dívidas das empresas municipais e os processos judiciais. São 62 processos, no valor de 74 milhões, sendo que dois deles têm o peso esmagador de 62 milhões: são os da Cimpor e [dos terrenos da via rápida] VL9. O caso da Cimpor começa com um sinal de trânsito, para impedir os camiões de acederem aos silos da empresa. Como é que não se partiu para o diálogo? As pessoas achavam que estavam num pedestal e que nada as afectaria? Depois, devo estar com muito azar: processos que se arrastavam há anos têm resultados três semanas depois de eu tomar posse. Condenações de 30 milhões num caso e de 32 milhões no outro. Mas os processos têm recurso. Vamos para o Tribunal Constitucional (TC).

Mas isto é matéria para o TC?
Sim, por duas razões. A completa desproporção das sentenças, desde logo, porque o TC tem de salvaguardar aquilo que é a justiça em última instância. E há um segundo argumento que é preciso analisar. Não faz sentido que no espaço de 15 dias a Cimpor venda créditos que não transitaram em julgado a uma empresa do Luxemburgo e que esta depois, através de uma sociedade de advogados de Lisboa, trate de tentar cobrar dinheiro, fazendo chantagem sobre a câmara e o Governo. Como? Dizendo: “Se não pagarem, isto conta para o défice perante a troika.” É preciso perceber que negócios temos aqui. Toda a gente sabe que o Luxemburgo é a máquina de lavar dinheiro da Europa. Eu não sei sequer o que é a Drylux. Se o Ministério Público fizer o que tem a fazer, se calhar deslinda o caso com mais facilidade do que parece.

Cortaram 20 milhões no orçamento à custa de quê?
Sobretudo despesa corrente, redução de transferências para empresas municipais, redução com consumos intermédios. Renegociámos ou extinguimos prestações de serviços nas empresas municipais – tínhamos prestadores a ganhar 180 mil euros por ano – e retirámos do plano algumas obras que nos parecem megalómanas. Saem os estudos para novas pontes e as novas rodovias. Em contrapartida, damos 1,2 milhões à reabilitação de vias secundárias. E pedimos solidariedade às freguesias.

Não receia que essa linha lhe custe um segundo mandato?
Não vai custar, as pessoas são justas. Criámos programas para ajudar as pessoas. Temos a taxa de desemprego mais alta da área metropolitana. O presidente de câmara não é o director do centro de emprego, mas tem de fazer alguma coisa. Temos níveis de pobreza assustadores. Não posso continuar com o IMI no máximo, não posso continuar a ter a factura da água mais cara da AMP, é preciso fazer alguma coisa que não seja propriamente o asfaltamento disto ou daquilo. Damos prioridade total às escolas, com ATL, escola a tempo inteiro, refeições, tudo gratuito. Se não se começar pela escola, não há retorno. Aliás, o grande problema do país é a desvalorização simbólica e material da escola e dos professores. Ainda há crianças – não só em Gaia – que não têm livros, que estudam por fotocópias que os professores pagam do bolso deles. Uma sociedade pode assistir tranquilamente a isto? Crianças que no fim do almoço pedem à funcionária para embrulhar os rissóis para comerem à noite? Por isto é que fiquei com o pelouro da acção social e da educação, que só dá chatices. Eu vi agora, nas férias de Natal, que andou toda a gente para aí a armar-se que abria as cantinas para as crianças irem comer. Gaia não abriu as cantinas para as crianças irem comer, tem um programa de dez horas por dia de ATL com as cantinas abertas. Preferimos programas integrados. Custam dinheiro, não têm visibilidade pública, mas têm reflexos nas famílias que daqui a quatro anos as pessoas valorizarão.

Como ficou a questão dos contratados pelo anterior executivo logo após as eleições?
Correm neste momento os 90 dias de período experimental.

Quantos são?
Nas Águas de Gaia temos oito. Na Gaiaurb acabou por ser apenas um. Na próxima semana ouvirei as administrações. Não compete ao presidente da câmara estar a tomar decisões políticas dessas, compete-lhe indigitar as administrações, que até ganham mais do que ele, para que decidam. Porque nesse grupo houve gente que foi contratada por razão de necessidade e outras por outras razões. É essa distinção que é preciso fazer. Isto nos municípios funciona por camadas geológicas. A gente corta o terreno e vê a do pessoal do tempo do Menezes, uma camada de outra cor do tempo de não sei quem… Um presidente tem de ter uma estrutura de confiança, mas, quando vai embora, a estrutura tem que ir embora. Senão a camada passa a ser uma cambada. Uma das críticas que me fazem é por não ter despedido toda a gente que estava à volta do dr. Menezes. Mas muitos já cá estavam antes dele e têm um nível de competência elevado. Enquanto me forem dadas provas de lealdade e profissionalismo, não tenho de andar a perseguir ninguém. Fiz ajustamentos em chefias das empresas municipais, porque não estava contente. Mas a política não pode ser feita numa lógica em que você chega a uma estrutura e mata toda a gente do antecessor. Também lhe respondo assim à questão do fantasma do dr. Menezes.

Há bocado deu a entender que o segue no Facebook.
Sou amigo dele. Quando ele era o presidente, disse-lhe algumas coisas que os boys à sua volta não tinham coragem de dizer. Por isso, ele continua a telefonar-me. E pode ter a certeza que, se eu precisar de tirar uma dúvida ou de aconselhamento, não terei complexo nenhum em ligar-lhe. Se eu tivesse outro tipo de comportamento, se calhar era mais mediático, a dizer mal de tudo para trás.

Dizer que se aconselhará com ele já é bastante mediático.
É honesto. 

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