Algarve mostra “cartão vermelho” à prospecção de petróleo no mar e em terra

Ainda não existem dados que permitam concluir se existe petróleo e gás no Algarve em quantidade para ser explorado, mas já foi dado o sinal de alerta máximo.

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A procura de petróleo deve aumentar 14% até 2035 Foto: Jessica Rinaldi/Reuters

Nos últimos quatro anos, as empresas petrolíferas investiram 58 milhões euros só em pesquisas de petróleo em Portugal. O que encontraram, diz o presidente da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), Paulo Carmona, foram “indícios” de hidrocarbonetos, ainda sem interesse comercial para explorar. A última concessão para prospecção de hidrocarbonetos foi atribuída à Portfuel [Petróleos e Gás de Portugal], do empresário Sousa Cintra, no final de Setembro, para fazer prospecções em terra (onshore) em Aljezur e Tavira. Os autarcas e as populações locais, apanhados de surpresa, reagiram com protestos inflamados, reclamando mais informação sobre o negócio.

Paulo Carmona, acompanhado dos cinco representantes das empresas/concessionários – Repsol, ENI, Galp, Partex e Portfuel - deslocou-se a Faro para “desmistificar” o que se tem dito e publicado contra a possível exploração de petróleo e gás no Algarve.

Os representantes da população, além de considerarem que os contratos são desfavoráveis ao interesse público, levantaram muitas dúvidas sobre se esta indústria não irá colocar em causa o futuro de uma região dependente do turismo. Apupos e declarações anti-exploração petrolífera dominaram a sessão de esclarecimento, promovida pela ENMC, na terça-feira ao final do dia, na Universidade do Algarve. “ O que aqui ouvi foram histórias da carochinha”, declarou Rosa Guedes, da Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), referindo-se à forma como foi apresentado o plano das explorações, que alegadamente não causam danos ambientais ou impactos visuais.

O presidente da ENMC - entidade dependente do Governo, com a obrigação de regular e fiscalizar a actividade petrolífera - sugeriu que as críticas manifestadas resultavam da falta de conhecimento técnico. “São sondagens científicas, nada mais do que isso”, sublinhou. Rosa Guedes, professora universitária, salvaguardando que não é esta a sua área de formação, ripostou: “As ondas sísmicas [método usado nos levantamentos geológicos] têm uma intensidade muito superior aos reactores dos aviões”.

A audiência, onde se destacavam muitos cidadãos estrangeiros residentes no Algarve, reagiu, mostrando cartões vermelhos à mesa, onde estavam os representantes das petrolíferas. Paulo Carmona acabava de comparar as ondas sísmicas às radiações dos telemóveis. Sousa Cintra, sentado na plateia, mas com um representante na mesa, foi o alvo das atenções de quem conhecia o percurso do empresário que esteve ligado ao empreendimento turístico Vale da Telha (Aljezur).

O presidente da Câmara de Aljezur, José Amarelinho, disparou: “Não fomos [autarcas] avisados da intenção da atribuição do contrato directo das prospecções onshore de Aljezur e Tavira – vamos levar o assunto até às últimas consequências”. O presidente da Câmara de Tavira, Jorge Botelho, foi mais longe: “Queremos reverter e cancelar os contratos”. Na última reunião da Comunidade Intermunicipal da Algarve – Amal, entidade a que também preside, falou mesmo em “desastre” para a economia da região caso se venha a concretizar a exploração de petróleo, colocando especial enfâse nos recentes contratos assinados.

“Portugal, não sendo um país rico, não pode deixar de explorar [os seus recursos minerais]”, repetiu Paulo Carmona, dando como exemplo a Noruega, país produtor de petróleo mas também conhecido pelas boas práticas ambientais. As prospecções no mar decorrem a 38 quilómetros da costa, ao largo de Olhão/Faro. Na praia Malibu, em Los Angeles, ilustrou, “os poços estão mesmo à frente” dos banhistas. A assistência protestou. Paulo Carmona emendou o deslize: “Temos que ver como é que outros países, noutras situações, lidaram com questões muito sensíveis do desenvolvimento económico”, disse, referindo-se à necessidade de compatibilizar a indústria do petróleo com a do turismo. “Não podemos ter sol na eira e petróleo no nabal”, acrescentou Fernando Grade (autor do livro O Algarve tal como o destruímos), lançando um desafio às petrolíferas: “Se já gastaram 58 milhões e não encontraram petróleo, aconselho-vos a abandonarem o negócio ruinoso”.

Gás em 2020
O representante da Repsol, Alvaro Giménez-Coral (empresa espanhola que tem, em parceria com a Partex, a concessão da exploração na costa algarvia) afastou quaisquer riscos nesta actividade, sublinhando que a “tecnologia está cada vez mais evoluída”. Apontando para o mapa, mostrou as semelhanças que existem entre a zona algarvia onde decorrem as prospecções e o golfe de Cadiz, em Espanha, onde há 18 anos está ser retirado gás. Dos resultados das pesquisas, disse, “não há nada de novo”, mas a seguir admitiu que em 2020 talvez possa haver exploração de gás no Algarve.

No que diz respeito às contrapartidas públicas decorrentes da exploração deste recurso, Elvira Martins, da PALP, lembrou que os postos de trabalho a criar terão um significado residual na economia local. “As companhias petrolíferas fazem deslocar as suas próprias equipas de mão-de-obra especializada”. Por outro lado, os contratos estipulam uma verba para Estado que varia entre os 3 e os 5%, depois de descontados os custos com a pesquisa, prospecção e produção, nunca ultrapassando os 10%. Da mesma associação, Rosa Guedes lembrou que as pesquisas que estão ser levadas a cabo no mar não tiveram estudo de impacto ambiental. “A lei não obriga”, disse Paulo Carmona, acrescentando que que vai manter o diálogo com os autarcas.

O ex-presidente da Câmara de Faro, José Vitorino, defendeu a necessidade de ser feito um referendo. Entretanto, a PALP entregou na Assembleia da República uma petição, com mais de sete mil assinaturas, a exigir que o assunto seja discutido em plenário. O relator da comissão encarregue de ouvir os vários intervenientes no processo é José Carlos Barros, PSD, eleito pelo distrito de Faro.

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