A reforma mal-amada

Quiseram as circunstâncias e os ciclos eleitorais que em dois mandatos autárquicos sucessivos, em 2007 e em 2009, o Dr. António Costa tivesse maioria confortável na Câmara Municipal de Lisboa, mas minoria na respectiva Assembleia Municipal, o que proveio do facto de os deputados municipais serem designados, metade eleita directamente e outra metade serem os presidentes de junta de freguesia.

As competências da assembleia são restritas, basicamente de fiscalização, mas nelas avulta a aprovação do orçamento e dos instrumentos urbanísticos, como sejam o Plano Director Municipal e os Planos de Urbanização ou de Pormenor, meios que são necessários para moldar uma cidade.

É sabido existir uma razoável inércia eleitoral no poder local, tendendo os eleitores a votar no autarca em funções. Ora tanto o PPD/PSD como o PCP têm forte implantação autárquica, daí resultando a não coincidência da maioria que se formou na câmara com a da assembleia. Grave empecilho este para a hegemonia de um executivo.

Para alterar este estado de coisas seria necessário actuar nas causas e nada melhor que invocar a redução do número de freguesias, por razão da sua grande discrepância dimensional, proveniente, aliás, de razões históricas.

A vocação reformista do PPD/PSD foi sensível a essa visão de cidade, desde que houvesse aumento de competências para melhor serviço público, consolidando as já delegadas em competências próprias e acrescentando outras para maiores sinergias.  

Trabalhou-se então num acordo de agregação de freguesias adjacentes, atribuindo-lhes verbas julgadas suficientes. Uma dificuldade porém. Não é possível produzir legislação de excepção aplicável apenas a Lisboa.

Chegou-se então ao Memorando de Entendimento com a troika. Algum negociador governamental resolveu, em boa ajuda, soprar aos financiadores que havia 4258 freguesias e 308 municípios, números estes que implicavam despesas excessivas e ineficientes. E vai de incluir no Memorando a obrigação de reduzir significativamente o número destas entidades, acrescentando que estas alterações deverão entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral local. O resultado foi o evidente. Perante um compromisso grave mas a impossibilidade de em prazo tão curto proceder a uma reforma casuística e ponderada, houve que recorrer a cortes em bases apenas estatísticas.

Como foi claro do Congresso da Anafre que decorreu no último fim-de-semana em Aveiro, hoje já ninguém se revê nesta Reorganização Administrativa Territorial Autárquica. Ou porque se cortou a régua e esquadro, ou porque se afastou a autarquia da população que serve, ou porque não houve diminuição de despesas, antes se aumentaram, ou porque deixou de ser uma administração sobretudo baseada em voluntários, ou porque afinal as verbas atribuídas não chegam para as funções que a câmara quer despejar.

Só está satisfeito o Dr. António Costa. O que nasce torto...

Ex-dirigente da Anafre e ex-presidente da Junta de Freguesia dos Prazeres, eleito pelo PSD
 
 
 
 
 

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