Estado paga obras da sede da Fundação Pro Dignitate

Um serviço do Estado cedeu uma jóia do barroco à Fundação Pro Dignitate. No contrato de cedência previa-se que essa entidade pagasse as obras necessárias à sua instalação. Os trabalhos estão em curso, mas quem os está a fazer e pagar é outro serviço do Estado. A fundação, presidida por Maria de Jesus Barroso, diz que as obras eram demasiado volumosas para o seu orçamento.

A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) está a suportar um conjunto de obras, no valor de 111 mil contos mais IVA, cuja realização constitui uma obrigação contratual da Fundação Pro Dignitate - uma instituição com fins humanitários e sociais presidida por Maria de Jesus Barroso. A empreitada visa a instalação da Pro Dignitate no convento setecentista anexo à Basílica da Estrela, classificado como monumento nacional e parcialmente cedido pelo Estado à fundação. Segundo a Direcção-Geral do Património (DGP), a intervenção da DGEMN contraria o disposto no contrato de cessão do imóvel à fundação. Criada em Julho de 1994, por escritura pública celebrada no Palácio de Belém, a Pro Dignitate outorgou em Dezembro de 1997, juntamente com a Paróquia da Lapa, um documento através do qual a DGP cede a ambas as entidades o Convento do Sagrado Coração de Jesus, à excepção das áreas que permanecem afectas ao Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC). As cedências têm a validade de 25 anos e são prorrogáveis por períodos de dez anos. Como única contrapartida, nos termos do auto assinado por todas as partes, "as entidades cessionárias [fundação e paróquia] e o IPCC comprometem-se a assegurar a recuperação e manutenção do imóvel", nos moldes estabelecidos no próprio documento. Assim, "cada entidade será responsável pela recuperação e manutenção das áreas destinadas ao seu uso exclusivo (...) e pelos encargos daí advenientes". Além disso, "a recuperação e manutenção das partes comuns do imóvel (...) será da responsabilidade conjunta das três entidades, que ficam com o encargo de custear as despesas daí advenientes, na proporção das áreas destinadas ao seu uso exclusivo". Para concretizar estas obrigações, e ainda segundo o mesmo auto de cessão, "as entidades cessionárias comprometem-se a apresentar à DGP os projectos no prazo de dois anos". Previamente à outorga deste auto, em Abril de 1997, uma informação da DGP descreve as dez salas que vão ser atribuídas à fundação, refere que "a designada Sala da Rainha será destinada a gabinete da presidência", enumera os principais trabalhos a realizar e conclui, reafirmando um princípio omnipresente em todo o processo de cedência: "A fundação deverá suportar o ónus das despesas com as obras acima referidas (...)"De acordo com um painel informativo afixado à entrada do convento, os trabalhos actualmente em curso são, porém, da responsabilidade do Estado. Lá se diz que a empreitada é da DGEMN, que respeita a "obras de adaptação e beneficiação para a instalação da Fundação dos Direitos Humanos - Pro Dignitate" e que o projectista é a própria Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.Contactado pelo PÚBLICO, o director-geral dos Monumentos Nacionais, Vasco Costa, confirmou: "Trata-se de uma obra que corre por nós e que está dentro das nossas atribuições."Posto perante a contradição entre o que determina o auto de cessão do imóvel e o facto de ser a DGEMN a projectar e pagar as obras da fundação, Vasco Costa afirmou desconhecer as condições da cedência feita pela DGP, sustentando, contudo, que se trata de "disposições genéricas que se cumprem quando não é a DGEMN a intervir". De acordo com este director-geral, "as entidades cessionárias são dispensadas de fazer as obras se elas forem feitas pela DGEMN". Vasco Costa não explicou, contudo, por que razão a sua direcção-geral só está a fazer obras na parte do convento que foi entregue à Pro Dignitate, sem tocar nas que estão a cargo da paróquia e do IPCC. Quem não partilha da opinião de que a fundação fica desresponsabilizada dos seus compromissos pelo facto de o organismo estatal lhe arranjar a sede é a subdirectora-geral do Património. "Se a empreitada é paga pelo orçamento da DGEMN, isso não está de acordo com o que foi desenhado no auto de cessão", afirmou Ana Maria Tavares. E acrescentou, depois de garantir que não há nenhuma comunicação formal da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais a informar a DGP de que fez os projectos e vai iniciar os trabalhos: "Deveria ter sido a fundação a custear as obras, ainda que elas fossem feitas através da DGEMN." Sucede ainda que a empreitada da DGEMN não se prende com o que poderia ser considerado como uma intervenção urgente num monumento nacional em risco. Isto porque, segundo a memória descritiva das obras, o edifício "chegou até nós em apreciável estado de conservação". De acordo com o mesmo documento, elaborado pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em Julho de 1999, as obras em execução foram projectadas "segundo programa preliminar oportunamente fornecido pela Fundação dos Direitos Humanos" e têm os seguintes objectivos essenciais: "Criar novas infra-estruturas essenciais - electricidade, electrónica, águas, esgotos e climatização"; remover paredes divisórias e caixilharias "postiças à obra original"; construir "novas divisórias de alvenaria e divisões destinadas a instalações sanitárias" e recuperar as pinturas decorativas, os azulejos, as cantarias, os pavimentos, as caixilharias de madeira exótica, os lambris, as sancas e o claustro situado junto à zona da fundação, onde serão repostos os "canteiros ajardinados, segundo o risco original".A memória descritiva esclarece que os pavimentos de madeira devem ficar com um "acabamento encerado", que a sanca do Gabinete do Presidente da Fundação "deverá ser acrescentada para receber iluminação indirecta" e que as paredes e tecto abobadados desta mesma Sala da Rainha - também denominada "de D. Maria I"-, "inteiramente recobertos com pinturas decorativas polícromas", serão objecto de "criterioso restauro". Isto, para lá de uma infinidade de outros pormenores, que vão permitir a transformação do velho convento num confortável espaço de trabalho.A nível de equipamento, a DGEMN encarregou-se mesmo de executar uma "planta de distribuição de mobiliário", prevendo-se a utilização dos móveis conventuais existentes no edifício. Com esse objectivo, a presidente da Pro Dignitate escreveu em Maio de 1997, ainda antes de assinar o auto de cessão, uma carta onde transmite à DGP o seguinte desejo: "Muito gostaria esta fundação de poder utilizar os bens móveis que fazem parte do edifício, nomeadamente os da Sala da Rainha."No total, após a conclusão da obra da DGEMN, a parte do convento entregue à fundação será composta por quatro salas para os serviços, três gabinetes, uma biblioteca/auditório, duas salas de reuniões, cada qual com 24 lugares em torno de uma mesa oblonga, e dois blocos sanitários. O conjunto ocupará uma área de 970 metros quadrados.

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