Janas voltou a cumprir devoção na ermida de São Mamede

Todos os anos a tradição manda que se levem os animais a dar três voltas em redor do templo sintrense

Girona é conduzida pela mão do dono, por três vezes, em volta da capela de São Mamede de Janas. A burra, com 15 anos, é acompanhada por Tojeira, outra jumenta mais nova, e por um bode montês baptizado Chibanga. Os três animais ajudaram ontem a cumprir a tradição secular saloia da bênção do gado junto ao templo circular do concelho de Sintra."Tento manter a tradição", explica João Domingos, 52 anos. O funcionário municipal, morador em Fontanelas, recorda-se de, desde miúdo, acompanhar o pai com "os bois de trabalho" à romaria do santo padroeiro dos animais, a pedir protecção de doenças e para amansar os espíritos bravios.
As duas burras levam uma vida muito diferente do passado, quando lhes estava destinado um papel nos trabalhos mais pesados nos campos. Passam os dias a pastar. "Hoje não há trabalho com isto. As pessoas trabalham cada vez menos as terras, porque já não se pode viver só do campo", comenta o agricultor. Embora ainda arranque algum sustento dos seus terrenos, admite que os tempos não favorecem a actividade agrícola, pois "é mais fácil ir ao centro comercial".
"As vacas vinham aqui para amansar e dar saúde", conta Álvaro Costa, de 48 anos, que se lembra de os avós levarem os bovinos à romaria, que se realiza a 17 de Agosto. Ontem levou pela mão a Tojeira. Após cumprirem as três voltas em redor da ermida, como manda a tradição, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, as duas burras e o bode, com a cabeça ornamentada com uns magníficos cornos retorcidos, mostravam-se muito sociáveis. Vá saber-se se pela invocação do santo, se por lhes faltarem razões de queixa da vida.

Fitas benzidas para todos A feira do gado, esclarece Álvaro Costa, "é mais uma exposição", embora actualmente se resuma a uns quantos exemplares de várias espécies, de entre bovinos, caprinos, ovinos e criação diversa, das galinhas aos perus. As crianças dedicavam especial atenção aos póneis e a um pequeno equídeo que parecia mal se aguentar nas pernas. A instalação de som anunciou que o prato do dia, no restaurante da feira montada ao lado da ermida, era "dobrada com feijão branco". Para estômagos menos resistentes havia ainda a "santa bifana".
"A que horas é a bênção? Ainda trago cá a cadela", comenta um homem, informado de que a missa campal e os animais serão benzidos pelo pároco a partir das 16h00. Nos primórdios da romaria, o gado entraria no próprio templo e daria as voltas em redor da colunata que sustenta um tambor ligado ao tecto, de formato circular. Os tempos ditaram que a tradição se passasse a cumprir fora da ermida.
Sob o alpendre acrescentado ao monumento do século XVI, atribuído ao traço de Francisco d" Ollanda, vendem-se velas para acender ao santo. Pequenas fitas de nastro coloridas, previamente benzidas, também ajudam às finanças da paróquia e podem ser levadas para os animais domésticos ou para usar ao pescoço. Há quem as pendure na motorizada ou na bicicleta.
No interior do templo, devotos manifestam os preceitos da fé perante as imagens de São Mamede, São Sebastião e Nossa Senhora das Neves. A figura do santo padroeiro da romaria apenas ali se encontra durante os festejos, que duram até domingo. Por razões de segurança, a imagem permanece à guarda da paróquia de São Martinho, na vila de Sintra, onde os interessados podem marcar visitas ao templo e à cripta que conserva vestígios postos a descoberto pelos arqueólogos.
O actual templo, de traça quinhentista, foi erguido sob anteriores construções que remontam à época visigótica ou moçarábica, entre os séculos VII e X da era cristã, e que incluíram o restauro do imóvel e do retábulo do altar-mor, na década de 1990. Enquanto alguns romeiros faziam fila para o restaurante, outros preparavam o piquenique no pinhal. No pavilhão da quermesse, com um escaparate em escada onde estão expostos os objectos que podem sair nas rifas, de uma garrafa de vinho do Janas Futebol Clube, organizador das festas, a uma peça em cerâmica com golfinhos, um jovem vendedor, apregoa: "Só sai a quem compra."

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