Idoso que forçou instalação de cadeira elevatória volta hoje a casa

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A cadeira que os donos do prédio recusaram já está no lugar Nuno Ferreira Santos

Presidente da Associação Sindical dos Juízes diz que são raros os processos em tribunal relacionados com falta de mobilidade em prédios

A decisão pode não ser inédita, mas é rara. A sentença do juiz que au- torizou um homem de 80 anos a instalar uma cadeira elevatória no prédio de três andares sem elevador, em Lisboa, contra a vontade de todos os condóminos, espantou quem trabalha de perto com estas questões. "Não conheço nenhum caso similar", admite o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins. O octogenário deverá regressar hoje a casa, depois de ter passado os últimos meses em casa de familiares.

Para o magistrado, casos como este não costumam chegar ao tribunal, ou porque os cidadãos desconhecem os seus direitos ou porque não têm condições económicas para avançarem com um processo. Não é o caso da família do octogenário, cardiologista reformado, que apresentou uma providência cautelar contra a decisão unânime dos condóminos de recusar a instalação do equipamento. António Martins considera que "os tribunais são o espaço adequado para resolver este tipo de conflitos".

Na sentença, o juiz entende que a posição dos condóminos impede o inquilino - que mora num terceiro andar sem elevador e tem problemas de locomoção depois de ter sofrido dois AVC - de utilizar a casa. O que representa uma "medida discriminatória contra pessoas idosas e doentes".

A decisão surpreendeu Celeste Costa, presidente da Cooperativa Nacional de Apoio a Deficientes, que há mais de 30 anos ajuda pessoas com problemas motores a encontrar soluções de acessibilidade para casa. "Se o doente precisa de ajuda tecnológica para ter autonomia, o condomínio não deveria ter de se pronunciar".

Celeste Costa aponta o dedo ao Código Civil, que faz depender a aprovação de obras deste género ao voto favorável de dois terços dos condóminos. "Já várias vezes se falou em alterar o Código Civil, mas não há vontade política para o fazer."

Depois de instalar a cadeira, a fa- mília do octogenário assistiu já a "atitudes intimidatórias" por parte de alguns condóminos, pelo que fez um seguro contra actos de vandalismo na eventualidade de represálias.

Contactada pelo PÚBLICO, Florinda Perna, proprietária de 51 por cento do edifício e senhoria do idoso, admite que possa ter havido "desabafos" nesse sentido, mas frisa que não passam disso mesmo. "Não temos nada con- tra a cadeira, mas sim contra o facto de terem passado por cima da deci- são dos condóminos, mesmo não sendo proprietários", sublinha. Estes condóminos alegam que a cadeira põe em causa a segurança da escada e do edifício, que tem perto de 50 anos.

Na sentença, a que o PÚBLICO teve acesso, o juiz entende que a redução da largura da escada "não justifica de forma alguma" a não instalação.

A cadeira elevatória foi mesmo colocada, anteontem, na presença da PSP. Porém, os donos mantêm a re- cusa com base em pareceres dos bombeiros, da Polícia Municipal, da Protecção Civil e até da câmara. "Não sei como é que o juiz decide sem ouvir as entidades competentes", critica Florinda Perna. "Quando a cadeira es- tá em movimento não podemos subir nem descer", prossegue, acrescentando que o aparelho "faz um barulho ensurdecedor".

Os proprietários vão recorrer da decisão do tribunal. Em paralelo, corre o processo instaurado pela família do homem, que pede uma indemnização por danos morais e psicológicos.

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