Ataque a autocarro no Seixal foi acto de "revolta" contra a polícia

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Testemunhas falam num acumular de situações de abuso, negadas pela PSP Miguel Manso

PSP mobilizou meios para a Arrentela para evitar repetição de distúrbios do fim-de-semana. Câmara recusa ideia de que haja problemas graves e considera que foi "uma situação pontual"

O autocarro incendiado no domingo na Arrentela, concelho do Seixal, terá sido uma forma de chamar a atenção contra a actuação da polícia naquela zona. A alegada agressão de Dutchu Pedro Sá, no sábado, terá sido a gota de água "de todo um acumular de situações de abuso", contou uma testemunha, que, como quase todas, pediu para não ser identificada. A PSP, pelo contrário, nega existir qualquer relação entre este incidente e os desacatos do último sábado. Ontem esteve discretamente no Bairro da Boa Hora, um sítio onde o ambiente acalmou depois de um fim-de-semana agitado.

Sónia vive há 25 anos no bairro onde os ânimos andaram exaltados. É animadora do Centro Comunitário da Arrentela. Uma instituição fre- quentada, em tempos, pelo próprio Dutchu, e que fica encostada ao es- tádio. Na rua, o sol vai alto e as crianças brincam. Aparato policial, nem vê-lo, apesar de a PSP ter informado que havia mobilizado meios para evitar que se repetissem os distúrbios da véspera. "Aquilo foi uma forma de mostrarem a sua revolta contra o que lhe fizeram no outro dia", acrescenta.

Alegadamente, Dutchu Pedro Sá terá sido agredido e detido pela PSP, de acordo com uma dezena de testemunhas ouvidas anteontem pelo PÚBLICO. O rapaz foi hospitalizado. Fonte policial negou então que tivesse havido qualquer agressão, sustentando que Dutchu teria agredido os agentes e vandalizado a viatura da PSP. Nesse mesmo dia, os ânimos exaltaram-se, o contingente policial foi reforçado e queimaram um carro - que até era procurado por ter sido dado como roubado - e vários baldes do lixo.

Polícia desvaloriza

Um dia mais tarde, foi a vez de um autocarro da Transportes Sul do Tejo ser incendiado no Bairro da Boa Hora. Já depois das 21h00, um grupo de indivíduos imobilizou a viatura numa paragem. O motorista foi obrigado a sair, tal como os passageiros que iam a bordo. O grupo regou o interior com gasolina e ateou o fogo ao autocarro. Pouco depois só restava a carcaça da viatura.

A PSP considera que os incidentes são "pontuais", acrescentando que as situações de conflito naquela zona são "espartilhadas no tempo" e resolvidas "de imediato". Uma opinião partilhada pela Câmara Municipal do Seixal, que, em comunicado, garante que "estes fenómenos de perturbação da ordem pública são provocados por pequenos grupos, que não são representativos da maioria da população".

Território multicultural

Quanto aos residentes, a autarquia diz apenas que o território é "culturalmente multifacetado", remetendo mais esclarecimentos para a Junta de Freguesia da Arrentela.

Apesar de o autocarro ter ardido exactamente na mesma zona onde se registaram os desacatos do dia anterior, a PSP garantiu ao PÚBLICO que não há "qualquer relação entre a situação da detenção do cidadão Dutchu Sá e os incidentes que se seguiram no sábado e domingo à noite na Arrentela-Seixal".

Ontem à tarde, o ambiente era pacato. Na ressaca da noite anterior, vários moradores afirmam nunca ter visto nada assim, e a maioria mostra-se tranquila.

"Está a ver a rua como está agora, com as pessoas a passearem normalmente sem que nada lhes aconteça? É sempre assim, aqui toda a gente se conhece e se dá bem", conta uma moradora, com pronúncia africana, que vive há mais de 30 anos no bairro. "Pssst, minha senhora, diga-me uma coisa: alguma vez foi roubada aqui?", questiona um rapaz jovem que conhecia Dutchu e que pede para também não ser identificado nem fotografado. "Eu não!", respondeu a transeunte, já de idade, sem grandes hesitações.

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