A Luanda de Ondjaki está diferente

Foto
Os TransparentesDe OndjakiEditorial Caminho17,90€

Há algumas semanas, no Facebook, o escritor angolano Ondjaki ensaiou uma espécie de antecipação irónica do lançamento do seu mais recente romance, Os Transparentes, revelando-lhe a capa, desenhada por António Jorge Gonçalves, e atribuindo a fuga de informação a um hacker chinês. Agora, e como se a realidade tivesse decidido imitar a ficção, o livro apareceu à venda em algumas livrarias dias antes da data oficial do início da distribuição, marcada para 30 de Outubro. É apenas uma curiosidade, bem entendido, mas é também uma informação útil para os muitos indefectíveis leitores de Ondjaki, que já hão-de estar em pulgas para saber o que lhe reserva o romance que sucede a O Assobiador, Quantas Madrugadas Tem a Noite ou A Bicicleta Que Tinha Bigodes.

Menos próximo do universo onírico, marcado pelas memórias da infância, que cunhava as suas mais recentes incursões pela prosa, Os Transparentes mantém intacta a peculiar relação de Ondjaki com a língua, marcada quer pela festiva oralidade do português que se fala em Angola, quer pela marca indelével que Luandino Vieira inscreveu nas letras do país africano. O palco da narrativa é a mesma Luanda do costume, desenrascada e inventiva. Só que esta Luanda é uma cidade um pouco diferente da que se lia nos outros livros de Ondjaki, provavelmente mais próxima da realidade: solidária, sim, mas também ensanguentada, em chamas, arrasada por um caldeirão de desigualdades e iniquidades, e transtornada, a cada passo, pela água jorrando dos canos rebentados dos prédios do centro.

Transitando entre as especificidades do regime angolano, democrático ma non troppo, as marcas do progresso material só para alguns e os grandes negócios que beneficiam sempre os mesmos, Os Transparentes apresenta-se como "um relato social surpreendente". Numa cidade de contrastes gritantes, Ondjaki alterna lirismo e sarcasmo e personagens tão espantosas como um cego, o CamaradaMudo ou o VendedorDeConchas, traçando um retrato vívido e irónico de uma Luanda concreta e surreal a um só tempo. Odonato, por exemplo, adoece de ver tanto sofrimento e pobreza, tornando-se tão leve que a sua mulher o tem de amarrar para que não flutue para muito longe.

Sugerir correcção