Falências na construção disparam 50% até Abril

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Sector perderá perder 140 mil postos de trabalho até ao final do ano Enric Vives-Rubio

Sector perdeu 420 postos de trabalho por dia. Até ao final do ano, deverão perder-se 13 mil empresas, o que fará disparar o desemprego acima dos 20%

Numa iniciativa inédita, as associações da fileira da construção vão promover, na próxima semana, um encontro em Lisboa com o propósito de alertar para o colapso iminente do sector. As duas maiores associações da construção, a AICCOPN e a AECOPS, assumem o dramatismo da situação actual, que apresenta "riscos sistémicos para a economia portuguesa" e pode obrigar "a um novo pedido de ajuda externa" (ver entrevistas na página ao lado).

O emagrecimento do sector, que em 2000 representava 18,2% do PIB (produto interno bruto), valor que em 2008 já tinha descido para 15%, já começou há vários anos, mas está a acelerar. Nos primeiros quatro meses do ano, as falências aumentaram 50,8%, percentagem que se deverá manter até ao final de 2012, já que o sector admite perder 13 mil empresas. A confirmar-se este cenário, desaparecerão 140 mil postos de trabalho, o que atirará a taxa de desemprego oficial para 20%. A factura para o Estado poderá ascender a 1,7 mil milhões de euros, em despesa com subsídios de desemprego e de perda de receitas fiscais.

Num primeiro momento, os pedidos de insolvência começaram por envolver pequenas empresas e empresários em nome individual, mas a situação já está a alargar-se às de média dimensão, como a FDO e a Ensul Meci. E não está afastado o risco de chegar a algumas das grandes empresas, como teria sido o caso da Edifer, que só escapou à falência porque foi salva pelo Vallis, um fundo de investimentos criado com o apoio de vários bancos para comprar e reestruturar empresas de construção em que as instituições são credores.

Desde 2002, o sector viu o valor bruto da produção cair 47,8% e só nos últimos dois anos viu serem extintas (falências e cessação de actividade) 15 mil empresas. A situação de falências está a agravar-se por falta de encomendas a curto e médio prazo, como comprova o índice de novas encomendas na construção, calculado pelo INE, que caiu 32,8% no 1.º trimestre do ano, face ao mesmo período do ano passado. Este índice está em queda vertiginosa desde o primeiro trimestre de 2010.

O sector está ainda viver uma situação de asfixia financeira, gerada pelas elevadas dívidas acumuladas - que só à banca ascendem a 85 mil milhões de euros -, e pela falta de crédito bancário. A esta situação acrescem os atrasos nos pagamentos, que no caso do sector Estado ascendem a 1,4 mil milhões de euros, revelou ao PÚBLICO o presidente da AECOPS, Ricardo Pedrosa Gomes.

Os dirigentes associativos defendem que, apesar de o sector se encontrar "em estado de emergência", o Governo não tem mostrado sensibilidade para bomba-relógio que pode explodir ainda durante o terceiro trimestre, quando se espera que as poucas obras que estão em curso estejam concluídas. As perspectivas são de grande incerteza: a aprovação da nova lei das rendas e da reabilitação urbana continua adiada, a que se junta a suspensão de projectos como os da Parque Escolar ou os atrasos na nomeação de novas administração de empresas públicas, que as deixa em gestão corrente há vários meses.

Governo poderia fazer mais

A visão pessimista do sector é partilhada pelo vice-reitor da Universidade do Minho, José Mendes, que conhece a realidade de várias empresas da fileira e que, em declarações ao PÚBLICO, defendeu que "o Governo tem consciência de algum risco", designadamente ao nível do aumento do desemprego, mas "não tem plena consciência das dificuldades que as empresas enfrentam", em especial aquelas que estão a internacionalizar-se.

Para José Mendes, o Governo poderia e deveria ajudar as empresas que estão a fazer um esforço enorme na internacionalização, enfrentando dificuldades de vária ordem, dando como exemplo a questão da obtenção de garantias bancárias, que os bancos nacionais não querem prestar ou são muito caras e que alguns clientes estrangeiros também não querem aceitar dado o risco do país e dos bancos nacionais .

Para José Mendes, era preciso encontrar solução junto de bancos estrangeiros para colmatar algumas das dificuldades das empresas, e a Caixa Geral de Depósitos poderia ter um papel importante a esse nível. Defende ainda que, dado que" a banca está a fugir do sector", o banco público "deveria estar no terreno a ajudar as empresas, em vez de apoiar operações bolsistas".

Mendes defende que é compreensível que o país não tenha dinheiro para "obras de ricos", como o TGV, mas já tem dificuldade em perceber que "não tenha uma agenda de crescimento" e que não sejam tomadas um conjunto de decisões, que, sem aumentar a despesa pública, poderiam evitar "uma espiral de queda".

O vice-reitor da universidade admite que carácter familiar das empresas portuguesas "travou" o movimento de fusões e aquisições, que daria maior dimensão às empresas, e ajudaria à diversificação de actividades e à internacionalização. Foi isso que aconteceu com as empresas que estão no pelotão da frente, a começar pela Mota-Engil (com 70% do negócio da construção no mercado externo e forte diversificação de actividade), mas também com a Teixeira Duarte ou a Soares da Costa .

A internacionalização das empresas de construção não trava integralmente o aumento do desemprego, já que não compensa às empresas expatriar mão-de-obra nacional, e há mesmo países que impõem fortes limites legais à presença de estrangeiros. Mas salva parte dos quadros médios e superiores, permitindo a manutenção de know-how nas empresas nacionais.

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