Fugas de depósitos e contágio grego fazem regressar medo aos mercados

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Frankfurt está entre as bolsas que ontem registaram quedas KIRILL IORDANSKY/REUTERS

Portugal é um dos países em risco de contágio, mas bancos parecem protegidos pela recente subida dos depósitos. Silva Lopes diz que problema é europeu e que, "se o BCE não intervém, estamos arrumados"

Passados apenas dois meses desde a reestruturação de dívida grega que prometia ser o ponto de viragem na crise, a zona euro voltou ontem aos dias de pesadelo.

Com o cenário de uma saída desordenada da Grécia do euro cada vez mais em cima da mesa e as notícias de fugas de depósitos nos bancos gregos e no espanhol Bankia a mostrarem a urgência da situação, viveu-se ontem nos mercados o receio de que toda a zona euro, com Portugal entre os países que estão na linha da frente, seja afectada por uma onda de contágio a que os líderes europeus não consigam responder.

As bolsas registaram quedas acentuadas, com Londres, Paris e Frankfurt a caírem 1,24%, 1,2% e 1,18%, respectivamente. Em Lisboa, a perda do principal índice - o PSI-20 - foi de 2,66%. O sector bancário europeu foi fortemente penalizado, destacando-se em Espanha o recém-nacionalizado Bankia, com uma perda de 14,08%, e em Portugal o BES, com uma descida de 9,4%. Ao mesmo tempo, o euro caiu para o valor mais baixo dos últimos quatros meses face ao dólar.

A desvalorização das acções nas bolsas europeias e a descida do euro verificam-se desde o início da semana passada. Foi nessa altura que, na sequência do resultado das eleições, a Grécia entrou numa crise política, sem conseguir formar Governo. Além disso, em Espanha, os problemas vividos no Bankia chamaram a atenção para a fragilidade do sistema bancário de um dos países da Europa que maiores riscos corre de ter de ser resgatado pelo FMI e parceiros do euro.

Nas últimas horas, contudo, o cenário piorou ainda mais, a partir do momento em que se ficou a saber que, na Grécia, os depósitos nos bancos estão a diminuir ao ritmo de 800 milhões por dia e que o BCE deixou de financiar algumas das instituições gregas por não estarem suficientemente capitalizadas. Além disso, em Espanha, surgiram os rumores de uma queda de mil milhões de euros nos depósitos do Bankia, o que foi depois negado pelo Governo.

Com os líderes das maiores potências da zona euro estranhamente silenciosos, o palco ficou reservado para o primeiro-ministro inglês, James Cameron, que revelou que em Londres já estão ser preparados planos de contingência para a eventualidade de uma falência e saída do euro grega.

Portugal na linha da frente

Portugal poderia estar, neste cenário, particularmente vulnerável, já que, como tem acontecido desde o início da crise, continuaria a ser visto como o principal candidato a seguir os passos da Grécia. Ontem, o ministro da Economia recusou a necessidade de actuar para prevenir estes novos riscos, dizendo que o Governo está a trabalhar num "plano de contingência para salvar a economia portuguesa há muitos meses".

Em declarações ao PÚBLICO, o ex-governador do Banco de Portugal, José Silva Lopes, caracteriza o momento actual como sendo "de grave perigo para toda a zona euro". E embora assinale que esta é uma questão europeia, reconhece que "Portugal está evidentemente à cabeça, na fronteira".

Perante um cenário em que se começa a falar de fuga de depósitos e de bancos em situação de ruptura na Grécia, Silva Lopes diz que "é preciso actuar com muita rapidez". "Tem de ser o BCE. Se o BCE não intervém rapidamente, estamos arrumados. Estou convencido que o vai fazer. Não imagino que o BCE não actue, acho que é impossível".

A prazo, o economista está menos confiante na capacidade de acção europeia. "É preciso que a Europa tome decisões, seja na aposta no crescimento, seja através da criação de eurobonds, por exemplo. Infelizmente não tenho neste momento muitas esperanças que isso venha a acontecer", afirma.

O economista Nuno Teles, por seu lado, vê algumas diferenças entre Portugal e Grécia que minimizam os riscos de um contágio imediato ao nível das fugas de depósitos. "A tendência grega de levantamento ou transferência de depósitos já se verifica há muito - menos 30% desde 2009.

No caso português, a tendência tem sido a contrária, o que deixa margem de manobra à banca nacional para recorrer a fontes de financiamento alternativas no caso de se dar essa progressiva fuga: BCE e injecção de liquidez de emergência do Banco de Portugal", explica, assinalando contudo que uma solução mais permanente teria de passar pela criação de um mecanismo europeu de garantia dos depósitos.

Ontem, através de videoconferência, reuniram-se Angela Merkel, François Hollande, Mario Monti, James Cameron e o presidente da UE, para prepararem o encontro do G8 que amanhã se inicia (ver notícia na página 6). A nova onda de crise na zona euro deverá, contudo, ter dominado a conversa.

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