Hollande, o desejado "Roosevelt da Europa" toma hoje posse

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O novo Presidente tem uma série de provas de fogo para início de mandato KENZO TRIBOUILLARD/AFP

O novo Presidente francês é olhado com interesse e esperança por boa parte dos europeus, ansiosos por uma mudança na política de austeridade a qualquer preço. Na Grécia, sobretudo

Hoje de manhã, François Hollande toma posse como Presidente de França, com toda a pompa que o momento exige. À tarde, já legítimo representante do seu país, e também portador das esperanças de uma Grécia que se vê à beira da exclusão da moeda única, tem uma tarefa de Hércules: vai à Alemanha jantar com a senhora cujo nome muitos europeus pronunciam franzindo o cenho: Angela Merkel.

A missão do Presidente "normal" da França é convencer a chanceler alemã a reabrir negociações sobre o tratado de disciplina orçamental, para aliviar a austeridade e incluir medidas de incentivo ao crescimento. Essa foi uma das promessas primordiais da sua campanha, e foi aquela que fez com que a esquerda europeia olhasse para Hollande como uma lufada de ar fresco que poderia inverter o discurso e a prática da austeridade como resposta à crise da dívida na Europa.

Durante a campanha, Merkel recusou-se a receber Hollande. Quando ele foi eleito Presidente, disse que o receberia "de braços abertos", para renovar a relação franco-alemã, o eixo em que assenta a União Europeia. Mas foi deixando vários rotundos neins quanto a mudanças de rumo. Mesmo após a pesada derrota da sua CDU, no domingo, no estado-federado da Renânia do Norte-Vestfália: "Não afecta o trabalho que temos a fazer na Europa", garantiu Merkel.

Sobre o encontro de hoje, Hollande falava cautelosamente ontem à tarde: "Seremos francos, diremos o que pensamos, não um sobre o outro, mas sobre o futuro da Europa... Não concordamos em tudo. Vamos falar sobre isso para podermos chegar a um bom compromisso".

A Grécia, onde os partidos continuavam a discutir as (im)possíveis geometrias de coligações para formar um governo que aceite continuar a pôr em prática as dolorosas medidas da troika e evitar novas eleições em Junho, enlouqueceu ontem os mercados, com políticos, financeiros e académicos a falarem, de forma cada vez mais descarada, da possibilidade de a Grécia sair do euro. Richard Parker, um economista de Harvard e conselheiro do ex-primeiro-ministro socialista grego George Papandreou, declarou mesmo que a Grécia já tinha considerado seriamente sair do euro.

Mas os gregos têm as esperanças concentradas em Hollande. O diário Ta Nea repescou para título uma frase do economista Thomas Piketty, François Hollande, o "Roosevelt da Europa", para sublinhar a necessidade de um New Deal para a UE, para relançar o crescimento.

Alteração de forças

"Depois das eleições, François Hollande representa a grande esperança de uma alteração na relação de forças e uma revisão na política europeia", disse à AFP o politólogo Georges Séfertzis. Prova disso é que Alexis Tsipras, o líder da coligação de esquerda radical Syriza, o segundo partido mais votado nas legislativas de 6 de Maio, tentou encontrar-se com Hollande na semana passada. A Syriza quer permanecer no euro e na UE, mas recusa as condições da troika. Se houver eleições pode bem ser o vencedor.

O Presidente cuja palavra de ordem foi "a mudança é agora" terá um início de mandato que é uma sucessão de provas de fogo. O encontro com Merkel servirá de preparação para uma cimeira informal em Bruxelas no dia 23 - e permitirá à chanceler conhecer o seu novo parceiro francês, e perceber até que ponto está empenhado em aliviar as cordas da austeridade para incluir o crescimento na agenda europeia.

Se a UE discute uma espécie de Plano Marshall neutro em termos de dívida pública - o que permitiria aos estados injectar dinheiro na economia, financiando grandes projectos, sem incorrer nas penalizações por agravar a dívida -, o mesmo economista que falou em Hollande como o "Roosevelt europeu" sublinha que esta estratégia não tem futuro a longo prazo. A mutualização das dívidas públicas é o passo a dar, escreveu, no Libération.

Sexta-feira, Hollande estará nos EUA, onde se encontra com Barack Obama, e no fim-de-semana tem uma cimeira do G8 em Camp David e uma importante cimeira da NATO - onde irá dizer que quer tirar a França do Afeganistão um ano mais cedo.

De regresso a França reunir-se-á com o conselho de ministros. Hollande tem mantido um silêncio sepulcral sobre as suas escolhas, mas o nome do primeiro-ministro será conhecido hoje, e o resto do governo na quarta-feira.

Fala-se insistentemente de Jean-Marc Ayrault, o chefe do grupo parlamentar e presidente da Câmara de Nantes, como o mais forte candidato a primeiro-ministro, pela sua proximidade com Hollande, e por ser conhecedor da língua e cultura alemãs. A sua posição enfraquece por ter sido condenado, há 15 anos, pela elaboração do boletim municipal sem concurso público. A líder do PS, Martine Aubry, também está na corrida, mas as suas relações com Hollande são más, e é mais à esquerda que o Presidente - seria como ter um governo de coabitação, dizem os analistas. Hollande poderá escolher alguém menos óbvio. Fala-se, entre outros, de Manuel Valls, o estratega de comunicação da sua campanha.

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