Bispo do Funchal suspende projecto de diálogo com ateus

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António Carrilho, bispo do Funchal

Diocese não esclarece se decisão sobre suspensão do Átrio dos Gentios foi tomada sob pressão do poder regional

O bispo do Funchal, António Carrilho, ordenou a suspensão da iniciativa Átrio dos Gentios, um espaço de celebração e diálogo com não-crentes ou ateus que estava a ser dinamizado por quatro padres diocesanos, na sequência de um desafio lançado pelo Papa Bento XVI.

Iniciada a 15 de Abril, a iniciativa, que incluía conferências e eventos culturais, a realizar aos domingos na Capela do Corpo Santo, no Funchal, já não ocorrerá amanhã por determinação do bispo funchalense que dera "luz verde" ao projecto. Contactado pelo PÚBLICO, o Paço Episcopal não respondeu às questões colocadas, nomeadamente sobre os fundamentos da decisão, nem esclareceu se "a suspensão deste espaço para viver a espiritualidade resulta de qualquer pressão por parte das autoridades civis da região".

Para a celebração de hoje, cancelada, estava destacado o padre José Luís Rodrigues, pároco de São Roque e São José, que, preocupado com o futuro dos paroquianos destas zonas limítrofes do Funchal, tem apelado ao governo regional para que evite gastos supérfluos para ter mais dinheiro para o apoio social aos mais carenciados. "Tendo em conta que temos uma população com cerca de 20 mil desempregados, o orçamento regional devia ter medidas bem concretas de apoio às famílias. Deveria reduzir em tudo o que são actividades lúdicas, tipo festas e ramboiadas, que até agora os orçamentos regionais privilegiavam, e gastar o dinheiro naquilo que é estritamente necessário", defende o sacerdote madeirense.

José Luís Rodrigues tem também criticado as duras medidas de austeridade impostas pelo governo de Alberto João Jardim no programa de ajustamento financeiro. "Como é que podem ter agora o desplante de pedir sacrifícios, [quando] sempre nadaram em dinheiro, esbanjaram tudo quanto puderam e levaram isto tudo ao descalabro de dívidas", frisou o padre, adiantando que os madeirenses se "sentem traídos".

O pároco de São Roque discorda que os adros das igrejas estejam a ser cedidos a Jardim para, à saída das missas dominicais, "enganar o povo" sobre o plano de resgate com a sua "política baseada na mentira". José Luís Rodrigues considera "um escândalo, uma ofensa aos pobres da nossa terra" os subsídios concedidos pelo governo regional ao Jornal da Madeira, fundado pela diocese. "Hoje, tendo em conta todas as dificuldades que o mundo atravessa e, em particular, a nossa região, a Igreja devia distanciar-se daquele sorvedouro de dinheiros públicos que tanta falta fazem noutros domínios mais prementes da população da Madeira", diz.

"A Igreja Católica enredou-se na teia que ajudou a criar", denuncia o padre. "Face a uma Igreja que se entretém com uma sobrecarga de actividades puramente religiosas e que vive de mão estendida perante o governo da Madeira, esperando pelos subsídios para construir novas igrejas, não lhe fica muita margem de manobra, resta-lhe o silêncio", conclui este dinamizador do projecto Átrio dos Gentios.

A iniciativa, em que participavam os padres José Pascoal Gouveia, António Hector Figueira e Francisco Caldeira e José Luís Rodrigues, responde ao desafio lançado pelo Papa Bento XVI e que tem congregado, em todo o mundo, nomes importantes da cultura, num espaço aberto ao diálogo inter-religioso e intercultural, visando o reforço do tecido democrático e espiritual. A nível internacional tem reunido nomes importantes da área da cultura como Julia Kristeva, Remo Bodei, o filósofo mexicano Guillermo Hurtado, Anthony Graylings, Walter Baier, além do cardeal Ravasi.

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