Primeiro fármaco nacional pronto para entrar nos EUA

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Fernando Veludo/NFACTOS

O antiepiléptico da Bial já está em 17 países. Falta entrar nos EUA. António Portela, presidente da farmacêutica portuguesa, aproveita para avisar o Governo que "chega de cortes" na área do medicamento

Éo orgulho de uma empresa e um (bom) exemplo para o país. Passo a passo, o primeiro medicamento de raiz portuguesa conquista espaço nas prateleiras das farmácias de muitos países. É por essas e outras que este pequeno comprimido branco e oval - um fármaco para a epilepsia chamado Zebinix - tem corrido as bocas do mundo. António Portela, presidente executivo da Bial, espera ocupar o mercado norte-americano - que representa 50% do mercado mundial - no início de 2013, depois de cumpridas as exigências colocadas pela entidade que regula o sector nos EUA (a Food and Drug Administration, FDA). E deixa alguns avisos sobre a política do medicamento em Portugal seguida pelo actual Governo: "Chega de cortes."

O antiepiléptico Zebinix, produzido pela Bial, está desde o passado dia 16 no mercado francês com uma comparticipação a 100% do Estado. Desde o seu lançamento em 2009, o medicamento já entrou em 17 países. A farmacêutica portuguesa Bial investiu mais de 300 milhões de euros no seu desenvolvimento.

Reza a exemplar história do Zebinix que o fármaco demorou cerca de 15 anos a criar - o que pode parecer muito, mas não é, correspondendo à média neste tipo de inovação. Durante vários anos teve o nome de código bia2093 até chegar ao comercial Zebinix. Chamamos-lhe "o primeiro medicamento de raiz nacional". Ora, a bem da verdade, não se pode afirmar que é inteiramente português - porque, apesar de ter sido concebido em Portugal, é resultado de um projecto de cooperação com cientistas e instituições de várias partes do mundo.

Em Outubro de 2009 deu os primeiros passos no mercado europeu e começou a ser comercializado na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Reino Unido. Antes de estar disponível para os doentes com epilepsia em Portugal entrou ainda na Noruega, Suíça e Islândia.

As burocracias e outros imprevistos atiraram a chegada do Zebinix às prateleiras das farmácias portuguesas para Abril de 2010 - foi aprovado em Portugal com uma comparticipação de 90% para o regime normal e 95% para o regime especial. Porém, após mais de dois anos de vendas e somando já a entrada nos mercados de 17 países (na Europa, o único grande mercado em falta é o da Itália), a Bial ainda está muito longe de conseguir o esperado retorno financeiro pelo investimento feito.

Uma parte dessa factura foi gasta a cumprir as condições impostas pela FDA, que, para aprovar o fármaco, "achou que faltavam alguns dados e pediu a realização de mais dois ensaios clínicos", diz Portela. Os ensaios pedidos pela autoridade norte-americana que regula o sector do medicamento já foram concluídos, confirmaram os resultados esperados e falta agora elaborar o novo dossier para uma nova tentativa de entrada naquele mercado. "Esperamos concluir o dossier no terceiro trimestre deste ano e conseguir comercializar o fármaco no início de 2013. Este passo é muito importante para nós, porque os EUA representam 50% do mercado", nota António Portela, aceitando as exigências da FDA, que "pela primeira vez ouviu falar da Bial e, por isso, percebe-se que sejam muito cautelosos".

Terá sido a primeira vez que a FDA ouviu falar na Bial - mas não deverá ser a última. António Portela confirma que, além da aposta no antiepiléptico (que ainda é alvo de estudos para que passe de adjuvante para monoterapia e para ser usado na pediatria), o laboratório está também a preparar-se para lançar um medicamento para a doença de Parkinson. "Trata-se de um fármaco que deverá permitir melhor mobilidade e qualidade de vida a estes doentes e que esperamos lançar entre o final de 2014 e o início de 2015", adianta o presidente da Bial, acrescentando que este fármaco está na última fase de confirmação dos resultados, a fase III de ensaio clínico.

O sistema nervoso central e o sistema cardiovascular são as áreas terapêuticas onde a Bial concentra o esforço do seu centro de I&D, situado na Trofa. No início de 2012, a empresa anunciou um importante investimento (cerca de 40 milhões de euros) para a criação da nova Unidade Integrada de Produção e Investigação no parque tecnológico da Biscaia (em Bilbau) dedicada ao desenvolvimento de vacinas antialérgicas e meios de diagnóstico. "Queremos centralizar em Espanha a produção e a investigação na área da imunoterapia alérgica e criar condições para que Bial seja um importante player a nível mundial na comercialização e desenvolvimento de vacinas e meios de diagnóstico", refere António Portela num comunicado da empresa. O mesmo documento nota que a Bial hoje marca presença em cerca de 50 países e que as vendas nos mercados internacionais já representam cerca de 40% do total do volume de negócios da empresa (140 milhões de euros). O grupo (com mais de 800 colaboradores) detém também instalações em Itália, na Suíça, em Moçambique, em Angola, na Costa do Marfim e no Panamá.

"Cortes" travam indústria

Porém, por cá, o antiepiléptico e o antiparkinsoniano serão os principais alvos do investimento da farmacêutica, que espera gastar este ano 40 milhões de euros (que representam 20% da sua facturação) em investigação e desenvolvimento. "Gostaríamos de investir mais, mas este já é um grande esforço. Não estamos sequer a apostar nos projectos todos que temos. Apenas naqueles que não podemos mesmo parar, que têm ensaios clínicos a decorrer, como o Zebinix e o medicamento para Parkinson", nota.

António Portela sublinha que em Portugal "têm sido tomadas algumas medidas importantes e acertadas", mas reconhece que a situação de crise e a política para o medicamento não têm ajudado a fortalecer a indústria farmacêutica. "Nos últimos quatro anos, os nossos medicamentos baixaram uma média de 25% de preço. Isso reflecte-se no investimento", conclui. Ainda neste mês de Abril, no âmbito da revisão anual de preços, os medicamentos de marca sofreram mais uma baixa de preço de 4%, em média.

"Todos percebemos que Portugal está numa situação delicada, é preciso fazer ajustes e cortes e a área da saúde não foge à regra. Muitas coisas que estão a ser feitas têm de ser feitas. Mas temos também de encontrar o equilíbrio entre o que está a ser feito e o que pode comprometer a qualidade que temos nesta área, que é um dos melhores serviços nacionais de Saúde que existem", argumenta.

Sobre a política do medicamento António Portela lembra que "esta área tem sido fustigada por cortes todos os anos". E alerta para os riscos das sucessivas baixas de preços, que "podem levar as multinacionais a concluir que não compensa ter certos medicamentos neste mercado e que deixam de querer estar em Portugal". "Chega de cortes. Temos de parar nalgum sítio ou corremos o risco de deixar de ter alguns medicamentos disponíveis", remata.

O presidente da Bial defende ainda que, resolvido o problema a curto prazo com os cortes que têm vindo a ser feitos, é preciso decidir "como vamos crescer a médio e longo prazo". E, sublinha, a área da saúde pode e deve ser uma boa aposta no futuro.

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