Deixem lá o sabor, já repararam nas texturas?

O chef basco do terceiro melhor restaurante do mundo veio ao Peixe em Lisboa para fazer uma demonstração da sua cozinha e explicar que o prazer pode não depender tanto do sabor como imaginamos. Alexandra Prado Coelho

andoni Luis Aduriz está sentado à nossa frente no Festival Peixe em Lisboa (que termina amanhã no Pátio da Galé, Terreiro do Paço). Na mão temos um artigo do The Guardian britânico com um perfil deste basco que, na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, ocupa o terceiro lugar com o seu Mugaritz, em San Sebastian. No artigo - onde aparece fotografado no meio de um arbusto, só com a cara de fora, um guardanapo branco ao pescoço, um garfo numa mão e uma faca na outra, e ainda uma cabeça de urso ao lado - Aduriz diz uma frase que nos parece misteriosa: "Não é preciso gostar de uma coisa para se gostar dela." O que é que quer dizer com isso?

Aduriz prepara-se para nos explicar aquele que é o princípio base de toda a sua filosofia sobre cozinha: o mais importante não é o sabor, são as texturas. Mas começa com um exemplo simples: "Se eu der um café ao meu filho de dois anos, ele afasta-se imediatamente porque lhe dá asco. E faz sentido, porque objectivamente são grãos tóxicos de uma planta que tem uma grande quantidade de alcalóides, e que nós queimamos para fazer uma infusão. Se não conhecesses o café e eu to desse a provar também não gostarias. Aprendemos a gostar dele, embora continue a ser uma coisa muito amarga. Na gastronomia há muitos produtos em que o prazer é emocional."

O que Aduriz quer é trabalhar com essas emoções. Mas não necessariamente explorando o caminho - provavelmente mais fácil - dos sabores. "Quando entras no mundo da cozinha, a primeira coisa que te dizem é que o principal é o sabor. Cozinheiros famosos passam o dia a dizer que pode ser vanguarda ou tradição, mas o principal é o sabor. Eu não concordo."

E vai buscar outro exemplo. Pede-nos para escolher cinco sabores distintos - ok, chocolate, café, tomate, queijo, vinho. "Imagina todas as texturas possíveis - existem infinitas. Vamos escolher gelado. Se eu fizer um gelado com cada um destes sabores, o primeiro vai-te parecer fantástico, o segundo não tão fantástico e ao terceiro já não podes. Isto porque o sabor é diferente mas a textura é a mesma. Mas se te pedir para escolher cinco texturas diferentes, usando quase o mesmo sabor, a um grau de distância do insípido, é diferente. Posso fazer uma sopa com determinada temperatura, um gel, uma mousse, um gelado, e asseguro-te que, apesar de não terem quase sabor, dá-nos mais prazer comer cinco texturas distintas."

É por isso que lhe interessa o peixe. "Onde está a magia do peixe? Na textura. Os sabores e aromas podem ser replicados industrialmente, mas as texturas não. Muitas delas só existem na natureza. Isto é muito revolucionário." Tão revolucionário que Aduriz tem consciência de que é preciso explicar às pessoas o que anda a fazer. "Penso muito sobre o que como. Encontro muitos clientes que têm muito mais anos e experiência do que eu e dou-me conta que são apenas coleccionadores de facturas de restaurante. Não chegam a aprofundar o que comem."

Aduriz é exigente. Quer que pensemos sobre a comida, que nos concentremos no que experimentamos, que tentemos compreender onde quer chegar. "Em gastronomia não há uma verdade. Tenho que mostrar a minha e por isso dou-te a mão e digo "Presta atenção a isto, a esta textura, a este sabor, a esta composição"."

Durante bastante tempo, as pessoas tinham dificuldade em compreender. "Os primeiros oito anos do Mugaritz foram terríveis. E digo sempre que um dos componentes mais importantes do meu projecto foi a ingenuidade. Hoje sei que trabalhar muito não te assegura o êxito. Mas quando comecei acreditava nisso e isso ajudou-me a chegar até aqui." Foi para cozinheiro porque a mãe, que passara dificuldades na sequência da guerra civil espanhola e via o filho a chumbar ano após ano, o convenceu que pelo menos assim tinha o que comer. E ele chegou a terceiro melhor do mundo.

Orgulho nacional

Hoje, quando vê alguém com talento - como José Avillez, a cujo restaurante, o Belcanto, em Lisboa, foi durante a sua estadia aqui -, diz-lhe: "Já tens um trabalho que te transcende. És mais importante do que os teus interesses pessoais. Tens obrigação de não desanimar porque Lisboa precisa de restaurantes desta qualidade, que servem de motor para todo o sector. O Belcanto é maravilhoso, seria uma pena que as pessoas não o entendessem como património da cidade."

E, já com o gravador desligado, quando pensávamos que tinha que se apressar para a apresentação que ia começar dali a pouco, fica mais uns momentos para insistir na ideia de que a população deve encarar - como acontece em San Sebastian - os restaurantes bons como um motivo de orgulho nacional, mesmo que não tenham dinheiro para os frequentar. São como os monumentos ou os museus.

E, diz Aduriz, são cada vez mais uma forma de atrair turistas. Muitos dos que visitam Espanha fazem-no em primeiro lugar para conhecer a gastronomia, e o chef basco acredita que mais meia dúzia de quilómetros até Portugal não lhes custa nada, desde que saibam que têm aqui um restaurante que vale mesmo a pena. Mas têm que ser os portugueses os primeiros a acreditar nisso. Foi isso que disse a Avillez: "Apesar de todos os momentos de indiferença, dúvida, incompreensão - que os vais ter todos - tens que pensar que tens um trabalho nacional. Se tu triunfas vai ser bom para todos." Fala por experiência própria.

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