Uma "manif" de rua para mostrar que "o país é que está a ser parvo"

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Os Deolinda no concerto de 29 de Janeiro, no Coliseu fotos: Nuno Ferreira Santos

O primeiro protesto "apartidário, laico e pacífico" da "geração parva", marcado para 12 de Março, em Lisboa, colhe apoios no Facebook

São 14 horas e 4 minutos de sábado, 12 de Fevereiro, e 1377 pessoas já anunciaram que vão participar no protesto da geração à rasca, marcado para 12 de Março, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. No Facebook lê-se que o protesto vai ser "apartidário, laico e pacífico". A ideia é juntar todos os que não têm emprego, nem salários. Os que se arrastam de estágio em estágio e nunca receberam um subsídio de férias, sequer de desemprego porque nunca descontaram para isso. Os que adiam a vida na incerteza dos recibos verdes. Os que, mesmo superqualificados, resistem a emigrar. Os milhares de jovens que compõem a "geração sem remuneração" de que fala a música dos Deolinda, cuja letra surge transformada em canção de protesto, hino geracional, o que se lhe queira chamar, o importante é juntar muita gente no dia 12 de Março, para mostrar que chegou o momento de dizer basta.

"Sempre que fazemos um refresh na página, há mais pessoas a clicar no sim, vou participar. Queremos abrir os olhos à sociedade, porque, afinal, somos a geração mais qualificada de sempre e o país é que está a ser parvo por não aproveitar as nossas potencialidades", diz João Labrincha um dos organizadores da "manif" 27 anos, licenciado e desempregado mas sem subsídio porque o que deixou para trás foi um estágio profissional, garante que não conhece ninguém com contrato de trabalho sem termo. "As pessoas que eu conheço ou estão desempregadas ou são precárias, subcontratados, bolseiros, e todas têm o futuro numa incerteza completa."

O retrato "à la minuta" da geração também pode ser tirado a partir do cenário em que se move a realizadora Raquel Freire que já aderiu ao protesto. "Cerca de 60 por cento dos meus amigos licenciados estão a trabalhar em lojas ou em call centers a ganhar 400 euros. Depois, há os 10 por cento que se safaram e que estão bem e o resto emigrou.". Raquel que, quando não está a fazer filmes, dá aulas, teve no ano passado um rendimento médio mensal de 400 euros por um horário incompleto. Tem 37 anos, um filho, nunca assinou um contrato de trabalho na vida. "Eu deixei de pagar Segurança Social há uns anos porque simplesmente não é possível. E se nos últimos anos voltei a ter um activismo mais concreto, porque me dói onde dói a toda a gente: no básico, no pão, não há dinheiro para comer." É "a proletarização da burguesia portuguesa, mas é mais do que isso: é uma geração inteira que está condenada a não ter condições mínimas para viver em dignidade", diz Raquel Freire.

Quem fizer um zoom à "manif" de 12 de Março vai lá encontrar também o jornalista João Pacheco. Tem 30 anos, um filho de dois e, desde 2007, um prémio revelação na profissão que exerce desde 2005. Nunca teve contrato de trabalho, sequer a termo certo, nunca saiu dos recibos verdes, vive numa casa que foi paga pela mãe. "Fiz 30 anos em Janeiro e acredito que, se tivesse 40 ou 50, com o reconhecimento profissional que tive, estaria a viver bem. Mas, se agora tivesse que viver só do dinheiro do meu trabalho, se não tivesse o apoio da família, já tinha desistido." João conversa com o PÚBLICO meia hora depois de se ter "amigado" com o protesto da geração à rasca no Facebook. "Acho que há aqui um fenómeno de imitação do que se passa nos países árabes." Há diferenças: "Não levamos porrada da polícia como na Tunísia mas, como eles, estamos reféns. A minha geração está toda refém da chantagem "é isto ou não é nada, é isto ou é o desemprego"."

Por isto entenda-se a precariedade laboral, os estágios sucessivos, a impossibilidade de comprar casa ou carro ou de sustentar um filho. O INE diz que no último trimestre de 2010 havia 68.500 desempregados com licenciatura. Aqui não entra o milhão que, segundo o movimento Fartos/as d"Estes Recibos Verdes, estão com falsos recibos verdes. Juntam-se-lhes os dependentes das empresas de trabalho temporário, os bolseiros e os eternos estagiários e a precariedade aproxima-se dos dois milhões. Os que, de fora, procuram sintetizar esta geração sugerem rótulos para todos os gostos e feitios. Geração canguru, por tardar a sair de casa dos pais; nem nem, porque nem trabalha nem estuda; mileuristas, que vem de Espanha e só com boa vontade se pode aplicar a Portugal porque a média salarial dos que trabalham nem sempre atinge os 500 euros. Certo, certo: "Há uma bolha de raiva que está a crescer e que vai rebentar. A minha dúvida é se as pessoas vão continuar a optar pelos antidepressivos, pela autodestruição, ou se vão começar a exigir cabeças e, a ser assim, espero que as exijam através do voto e dos movimentos democráticos", vaticina João Pacheco.

O risco é que o ressentimento geracional descambe em violência. "Há um crescente descontentamento, marcado pela recusa de um certo enquadramento e de uma certa filiação ideológica, que evidencia a incapacidade das forças organizadas - sindicatos, partidos...- se assumirem-se como canais para onde estas vozes descontentes possam direccionar-se", analisa o sociólogo Elísio Estanque, para concluir: "Não havendo enquadramento, o risco de explosão social é maior."

Com ou sem violência, se a revolução não se der, quem sai a perder é o país, segundo Raquel Freire. "Se esta geração não fizer o que fez a geração do 25 de Abril, que é dizer basta e mostrar claramente ao poder político que já foi escravizada que chegue - porque é disso que se trata, quando não se tem os direitos sociais básicos que se tinha há 10 anos -, a alternativa será a emigração e, com isso, está-se a matar 30 anos de desenvolvimento do país." Dito de outro modo: "O país arrisca-se a perder a geração mais bem preparada de sempre, aquela que tinha condições para o fazer avançar e para impedir que nos transformemos no bordel de férias dos ingleses e dos alemães."

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