A volta ao dia em oitenta mundos

Foto
Durações de um minuto Pedro Cunha

Estes espectáculos são o resultado da colaboração entre criadores com talentos e caminhos distintos, que se juntaram para ver o que dava, no primeiro caso a coreógrafa Clara Andermatt e o encenador e cineasta Marco Martins; no segundo caso as equipas da Mala Voadora (de Lisboa) e dos Third Angel (de Sheffield).

Os dois espectáculos tentam ser universais e intemporais, ou até enciclopédicos, o primeiro registando as mais variadas formas de passar um minuto, inventadas nos ensaios, a partir de improvisações dos actores ou dos verbetes de Gonçalo M. Tavares; o segundo dispondo uma colecção de histórias reais sobre coisas falsas, recolhidas durante o processo de criação do espectáculo.

O tema de Durações de um minuto foi fixado já depois de os trabalhos se iniciarem, quando o PÚBLICO noticiou em primeira página que o terramoto de Fevereiro de 2010 no Chile tinha descolado o eixo da Terra, e os dias se haviam encurtado (apenas 1,26 micro-segundos, não se aflija). As improvisações passaram a versar essa relatividade do tempo que o século XX provou à saciedade. Em cena, a presença de Luna Andermatt, de 87 anos, e de Ana Diaz, de 86, permitiu contrastar a veterania de uns com os verdes anos (ou nem tanto) de outros, materializando a sensação da efemeridade do tempo.

Que o tempo passa, já nós sabíamos. O espectáculo deixa isso mais claro, esticando ou encolhendo o tempo conforme o que acontece em cena prende mais ou menos a atenção, manipulando a percepção das durações, e mostrando outras maneiras de passar o tempo num teatro. Para isto concorrem o ritmo da iluminação, a distribuição dos sons pelo espaço e a orquestração dos corpos e falas dos actores, mudando de velocidades à vontade, tudo muito bem engrenado no todo.

As histórias contadas em What I heard..., apesar de serem sobre simulacros e sucedâneos, evocam lugares concretos e revelam uma certa humanidade na criação de fantasias, ou melhor, no esforço de parecer o que se quer ser. É o caso dos pais de papelão que substituem os soldados norte-americanos, nos lares do Midwest. O espectáculo culmina com o relato dos acontecimentos no cemitério de Santa Cruz, em Díli, e a revelação de que, enquanto os timorenses caíam, o mandante do massacre estava no seu bar de karaoke preferido, em Jacarta, cantando uma celebérrima canção, Feelings, algo que manifestamente não possuía. No final, é sublinhada a importância do acto de contar histórias. Como dizia Roberto Benigni no programa televisivo de Roberto Saviano, o jornalista perseguido pela Camorra, quando o homem da arma encontra o homem da pena, o da arma está morto, porque a pena dá a eternidade.

A ambição destes artistas foi abarcar o mundo inteiro na duração média de um espectáculo e na dimensão média de um palco. Ambas as equipas escolheram compor os espectáculos com fragmentos que se sucedem de modo não-linear e se ligam entre si mais por relações de associação do que por relação de causalidade. Ambas as propostas podem ser recordadas como enumerações a partir dos respectivos temas, que rondam o indizível. Mas no final fica a faltar um passo em direcção ao abismo.

Jorge Louraço Figueira

Sugerir correcção