Agora a marca do crocodilo é dele

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Oliveira Baptista com os filhos, no final de um desfile em Paris PATRICK KOVARIK/AFP

Português com contrato de dois anos na direcção criativa de uma grande casa parisiense. A marca fez 1,4 mil milhões de euros em vendas em 2009

Ao telefone, soa à sua costumeira serenidade. Mas quando o convidamos a revelar o que pensa fazer na direcção criativa de uma marca como a Lacoste, histórica no sportswear e com uma facturação no retalho de 1,4 mil milhões de euros em 2009, Felipe Oliveira Baptista acelera. O designer nascido nos Açores e há mais de uma década radicado em Paris é, desde hoje, o novo director criativo de uma refundada Lacoste. "Espero ter muitos mais dias como este na minha carreira", ri-se. E a Lacoste espera mudar ainda mais.

Felipe Oliveira Baptista vai substituir Christophe Lemaire, que no final de Maio rumou à Hermés, onde substituiu o peso-pesado Jean Paul Gaultier. Coincidências fashion: foi Gaultier, ainda na Hermés, que abençoou a entrada de Felipe Oliveira Baptista no calendário oficial da Semana de Moda de Paris em 2004. A chegada do criador português ao cargo foi recebida como "audaciosa" pelo Le Monde, enquanto a Madame Figaro indicava que ele é "pouco conhecido, mas cheio de talento".

Felipe Oliveira Baptista é há muito membro do grupo de portugueses com trabalho nas grandes marcas de moda internacional - Susana Cabrito na Givenchy, Filipa Homem com Alexander McQueen e H&M, Joana Jorge com Alberta Ferretti, Topshop e Betty Jackson, Priscilla Alexandre na Dior e Marc Jacobs... Mas, aos 35 anos, Felipe Oliveira Baptista é o português mais internacional da criação de moda, sendo o primeiro a chegar à direcção criativa de uma grande marca da cidade-berço da alta-costura. "É a primeira vez que há um português à frente de uma grande casa de Paris e isso é um feito e um facto. Se isso significa mais avanço para a moda portuguesa, melhor", assume.

Formou-se quase integralmente no estrangeiro - curso de moda na Universidade na Kingston de Londres (1997), trabalho com Max Mara, Cerruti, Nike, prémio do Festival Internacional de Jovens Criadores de Hyères (2002), prémio da Association Nationale pour le Développement des Arts de la Mode em 2003, bolsa do gigante do luxo Louis Vuitton Moet Hennessy no mesmo ano, com a qual criou a sua marca... E ainda em 2003 vem à ModaLisboa, para depois ser apoiado pelo Portugal Fashion. Casou-se e teve filhos em Paris.

Dizia ao P2, em 2008, que "estudar moda foi uma pulsão cosmopolita e uma vontade de ir para fora". "Quando acabei o curso, pareceu-me lógico trabalhar em países e em sítios onde a cultura de moda é maior, onde tem mais ansiedade." Agora, o jovem que viu a sua primeira colecção ser comprada pela loja parisiense Colette (um espaço que funciona como uma súmula de itens cool do momento) e que integra o calendário oficial pronto-a-vestir parisiense, vive "uma enorme viragem". "É um desafio enorme pelo qual estou extremamente excitado", ri-se, ciente de que sobre ele ontem a Lacoste dizia ter "um estilo decididamente moderno" e um "óptimo sentido de cor".

Uma marca lifestyle

A escolha, para Ana Couto, docente do curso de Design de Moda da Universidade Técnica de Lisboa, não é surpreendente. "As boas marcas têm de ser estrategicamente inteligentes", explica, e o facto de o português pouco ter de sportswear clássico é uma mais-valia para a Lacoste. Quanto ao factor português, a docente é pragmática: "Haverá alguma visibilidade sobre o facto de ele ser português, mas a partir de certa altura será conhecido pela sua obra e nome e esse passa a ser património mundial. A globalização é isto: as pessoas são cidadãs do mundo."

O designer português passou por um processo de selecção entre cerca de 15 concorrentes. No início do Verão, restavam seis. O desafio era criar um projecto de estilo que modernizasse a marca respeitando a sua herança, enfatizando uma sensibilidade mais feminina e ampliando a sua dimensão internacional, como explicou ao Le Figaro o presidente da Devanlay, a parceira da indústria têxtil da Lacoste, José Luis Duran.

"Felipe foi aquele que mais nos fez sonhar", dizia entusiasmado José Luis Duran, elogiando-lhe a personalidade, o "chique cool" e a "sólida bagagem e verdadeiro saber fazer na moda feminina". Felipe Oliveira Baptista, que por vezes pontua as frases com uma palavra em francês que se lhe escapa, diz ao P2 que quer "alterações de estilo na Lacoste". Criar "uma silhueta e look mais urbano, menos clássico e menos retro". "Atingir o máximo de coerência e desejo em todos os produtos." "Desenvolver um guarda-roupa completo" e pôr em campo uma "marca com um património enorme e com um potencial de desenvolvimento total: uma marca lifestyle", resume. Nas lojas, quer "alargar a oferta real", dar-lhes uma "imagem diferente".

A Lacoste, à primeira vista, é a marca de pólos com crocodilos. Ponto. Associada ao ténis via fundador (René Lacoste, 1933) e a um certo estilo de vida mais abastado, é um clássico do sportswear. Mas, com Lemaire, os pólos tentaram chegar aos jovens urbanos e aos mais célebres, do hip hop ao futebol. A marca tem, nos últimos anos, "uma comunicação muito mais jovem, muito directa", comenta Ana Couto, que é também docente de Marketing de Moda da Faculdade de Arquitectura.

Ana Couto lembra as parcerias para criação de pólos de edição limitada criados pelos irmãos Campana ou por Michael Stipe, por exemplo. Mas ressalva que, nas lojas portuguesas, não nota essa renovação de imagem: "Continuam a ter o produto mais tradicional, os pólos, as calças clássicas, os sapatos vela..."

Eis que entra em cena o novo líder criativo da marca francesa. "Esta contratação inscreve-se numa estratégia de reposicionamento que iniciámos há um ano. No plano da criação, pretende-se a reconquista do mercado feminino", diz José Luis Duran, além da aposta na renovação dos pontos de venda, da publicidade e nas colecções de acessórios.

Durante dois anos, Felipe é quase todo da Lacoste. A sua marca em nome próprio manter-se-á. "O meu tempo vai ser dividido entre os dois trabalhos." Foi o contrato, de dois anos, que fez com a Lacoste (e cujo valor não quis revelar) - dois dias por semana para a sua marca e três dias para a Lacoste, que "acha interessante ter um director criativo que também tem a sua marca". Mantém-se na Semana de Moda de Paris e com o Portugal Fashion - "Ajudou-me muito a desenvolver a marca e o meu projecto."

Trabalhará em Paris, mas a Lacoste mostra-se na Semana de Moda de Nova Iorque, onde o português apresentará a sua primeira colecção, a da Primavera/Verão 2012, em Setembro de 2011. Em Nova Iorque, espera-o outra experiência. "É toda outra fashion week, com outro ADN, com mais ADN sportswear".

O português cuja marca pessoal tem sido sempre no feminino vai dedicar-se a uma etiqueta cujas vendas se fazem de três quartos de moda masculina. Quando trabalhou com Christophe Lemaire entre 1998 e 2000, foi nas linhas masculina e feminina. "Tenho essa experiência, mas é um dos grandes sonhos que tenho para a minha marca e finalmente vou poder trabalhar em menswear."

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