O triunfo dos clones

Se Madame Tussaud tivesse inventado um museu de máscaras vivas não conseguiria melhor resultado: os The Musical Box foram, anteontem, a réplica perfeita de um grupo que se extinguiu há 30 anos (os Genesis com Peter Gabriel) para dar origem a outro, que depois se limitou a mudar com os tempos - como todos nós mudamos, aliás. A vantagem, aqui, é a da recomposição cuidadosa, não só de cópias fiéis de cenários, guarda-roupa e instrumentos (há um paralelo com a música clássica, na interpretação de obras ao vivo com instrumentos de época de modo a reconstituir o som original) como ainda de novas tecnologias de luzes e som que, não alterando as coordenadas originais, permitem defini-las com muito maior fidelidade.Assim, The lamb lies down on Broadway pôde ontem ser visto como nunca o tinha sido em Portugal (os feéricos concertos de 1975, e quem os viu pode testemunhá-lo, ressentiram-se de natural turbulência, sonora e física), independentemente de os intérpretes agora serem outros, canadianos e não ingleses, terem nomes pouco memorizáveis e não sonantes (como Peter Gabriel ou Phil Collins) e se limitarem a ser bons músicos, bons actores e, sobretudo, bons replicantes (palavra que, em música, pode começar a entrar na gíria corrente). Isto quer dizer que o privilégio foi dado à obra (assinada pelos velhos Genesis, com Gabriel à cabeça) e não aos músicos propriamente ditos, o que, mais uma vez, transfere para o âmbito do rock hábitos e códigos ligados à clássica. Foi para ouvir (e sobretudo ver) The lamb lies down on Broadway em toda a sua eterna magia que a Aula Magna transbordou, não para assistir a uma espécie de Chuva de Estrelas a fingir de Genesis. Denis Gagné, na pele de Peter Gabriel, incorporou o espírito absoluto da peça - porque de uma peça se trata, com vários andamentos e com uma sequência assente numa lógica dramática inerente a outras criações rock dos anos 60/70, como Tommy dos Who, ou Thick as a brick dos Jethro Tull, para dar apenas dois exemplos. Os restantes músicos, para lá de maiores ou menores semelhanças físicas (a mais gritante é a do baterista Martin Levac com o velho, e agora muito mais velho, Phil Collins), cumpriram à risca o seu papel: o de dar à audiência a ilusão de estar a assistir a um concerto dos Genesis originais, num recuo temporal, de outro modo impossível, de 30 anos.
Os espectadores, que pagaram bom preço pela réplica (33 a 46 euros) e também pelo luxuoso programa, em formato real de LP duplo (15 euros), também foram excelentes actores, tirando alguns casos avulsos. Por exemplo: houve quem não entendesse o que queria Denis dizer quando falou em "cantar para um Portugal novo". Ele estava apenas a repetir, em português imperfeito, o que disse Peter Gabriel em Março de 1975 em Cascais, um ano após o derrube da ditadura. Era óbvio na época, mas agora, pelos vistos, com tanta memória perdida, seriam precisas "legendas". De resto, houve aplausos efusivos, coros em refrões mais reconhecíveis (The lamb, The chamber of 32 doors) e um final épico com The musical box e, já no encore, Watcher of the skies. A magia original esteve lá, a música também e os Genesis saíram a ganhar: deste seu elixir da eterna juventude nasceram cinco clones que triunfaram por mérito -The Musical Box.

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