Luto carregado substitui atestados

Os alunos de Guimarães afinal vão mesmo fazer as provas globais. Vão é de preto, como forma de protesto. Os pais continuam com os processos judiciais e querem a reformulação da lei que permitiu aos filhos faltar aos testes. A decisão foi anteontem tomada, ao fim de duas horas de reunião e muitos cigarros.

Pais e alunos de Guimarães renderam-se aparentemente ao inevitável. Os estudantes vão fazer as provas globais, mas de luto, em sinal de protesto. Depois de uns dias de Verão muito suados, com diversas reuniões a interromper as férias e com os filhos, dizem, verdadeiramente afectados psicologicamente com tudo isto, o desfecho era o que já se previa. Agora, os pais querem a reformulação da mesma lei que permitiu a existência de tantos atestados médicos. Moral da história: ninguém esperava que um caso que se apresentou rotineiro desse tanto que falar a nível nacional.Os encarregados de educação dos alunos das escolas secundárias Francisco de Holanda e Martins Sarmento reuniram-se anteontem à noite. Duas horas de conversa e muitos cigarros depois, saiu um comunicado: algumas dezenas de linhas escritas ali mesmo e nada mais. "Lemos o comunicado e não prestamos mais declarações", apressou-se a deixar claro o porta-voz da comissão de pais, Florentino Cardoso. As razões da tomada de posição foram também prontamente explicadas: "Tendo em conta que a comunicação social, líder de opinião publicada, que não da opinião pública, espera avidamente esta posição."Os pais já não tinham muito mais tempo para tomar decisões, uma vez que há uma ordem do Ministério da Educação para que as provas - a que os cerca de 300 alunos faltaram anteriormente - sejam repetidas em Setembro. No interior do auditório vimaranense onde decorreu a reunião, a conversa não extravasou as paredes. Excepto em dois momentos. Quando se tornou perceptível uma voz acima das outras: "Quando temos um objectivo, temos que ir para a frente." E alguns minutos mais tarde, na altura em que a assembleia selou com uma salva de palmas o resultado do comunicado.Foi em Junho que a notícia estoirou: em Guimarães, as secretarias de duas escolas tinham sido inundadas de atestados médicos; mais de 250 alunos padeciam de "stress" e cansaço e não tinham comparecido às provas globais dos 10º e 11º anos. A segunda chamada volta a registar grande número de ausências. Em meados de Julho, a Secretaria de Estado da Educação emite um despacho que consagra a possibilidade de os estudantes em causa fazerem uma terceira chamada, marcada para Setembro. Os pais entregam uma providência cautelar a pedir a anulação da eficácia desta chamada de excepção e recorrem também ao provedor de Justiça. Os atestados começam a ser alvo de investigação. O ministro da Educação avisa que as provas são para repetir e ameaça os faltosos com nota zero. No início desta semana, o provedor, Nascimento Rodrigues, vem dizer que os pais e os alunos não têm razão.Decerto ninguém previa tanta canseira, quando, há uns meses atrás, o caso saltou para a opinião pública. "Eu sou professora. Se, a caminho de uma prova, ficar parada numa fila de trânsito ou tiver um acidente, só me justificam a falta, se apresentar um atestado", teoriza uma mãe, como que a demonstrar o lado caricatural do sistema. O ministério estimula assim o excesso de atestados e isso está errado. Mas, então, por que é que toda a gente se aproveita negativamente da lei? "É como ter um carro da empresa e não andar com ele ao fim-de-semana." Quem é que faz isso? Ninguém?...A contradição em que acabaram por cair pais e alunos (protestar contra a lei, ao mesmo tempo que dela colheram os benefícios) não pôde ser formalmente explicada pelo porta-voz da associação de pais, que se recusou a responder a perguntas dos jornalistas. No entanto, das conversas mantidas à margem da reunião a lógica pôde ser percebida: o recurso aos atestados médicos para fugir às provas globais faz parte da rotina de qualquer escola, todos os anos. O sentimento de injustiça surgiu no momento em que Guimarães ficou conhecido como um caso excepcional, quando as outras escolas permaneceram longe do julgamento público.Os pais querem que o ministério cumpra "as alterações legislativas sugeridas pelo provedor [de Justiça]" e querem que sejam publicadas as faltas verificadas nos estabelecimentos de ensino do resto do país. Para não sejam só os de Guimarães a ser chamados "irresponsáveis, burlões, delinquentes, estúpidos e chicos espertos". Avançam entretanto os processos judiciais contra o Ministério da Educação. "Se eu fosse o meu filho, desistia e fazia o ano de novo", insiste uma mãe. Responde outra: "Não é preciso puxar tanto pela corda." Mas atenção: o comunicado foi explícito. "Caso os nossos filhos estejam em boas condições psicológicas para fazer as provas, que as façam sob protesto." A resposta de uma aluna que havia participado na reunião veio pronta, quando um jornalista lhe perguntou se ia fazer o exame: "Se não estiver doente..."

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