Em Espanha milhões ouvem tertúlias e debates

Quem sintoniza uma rádio em Portugal, tem todas as probabilidades de apanhar música. As melodias que fazem os êxitos das tabelas de sucessos e as rádios temáticas de diferentes géneros musicais, têm vindo a multiplicar-se no panorama radiofónico nacional, onde o lema é "quanto menos conversa, melhor". Este é, de resto, a receita de sucesso da rádio que mais subiu nas audiências no último ano: a Rádio Comercial. Em Espanha, aqui mesmo ao lado, são os debates, as tertúlias e as entrevistas que dominam as antenas. O que se passa afinal? Aproveitando o pretexto oferecido pelo Congresso Nacional de Rádios, que hoje se inicia em Óbidos, o PÚBLICO fez uma viagem pelas tendências actuais dos canais de rádio e tenta adivinhar o futuro do meio rádio no espaço multimédia.

A rádio espanhola tem duas caras opostas: em FM abundam desde há 15 anos as fórmulas musicais e, nas convencionais, a programação vive de tertúlias, cronistas e entrevistas. São os programas de palavra nas ondas que lideram o muito disputado "ranking" de audiências."A rádio da palavra é herdeira da rádio espanhola, pois as fórmulas musicais são muito mais recentes", adianta, ao PUBLICO, Iñaki Gabilondo. "A rádio em Espanha nasceu ao contrário do que aconteceu na maior parte da Europa, onde as primeiras emissoras foram as grandes cadeias nacionais", assinala: "aqui, a rádio apareceu através de emissoras privadas de cidades, reflectindo na sua programação os problemas e o pulsar daquelas urbes, recorrendo obviamente à palavra". Rádio de proximidade, apesar da censura franquista obrigar a todos a transmissão dos noticiários da estação oficial. Emissoras de âmbito local que, com os anos, se associaram criando as poderosas e actuais cadeias.Pouco passa da uma hora da tarde e o mais popular e conceituado homem da rádio espanhola está visivelmente cansado. Levantou-se às quatro da manhã, entrou nos estúdios da Cadena SER acompanhado pelo guarda-costas pouco antes das cinco e, uma hora depois, iniciou uma maratona de microfone de mais de seis horas. O seu programa "Hoy por Hoy" - "Hoje em dia" - tem a maior audiência das ondas espanholas: mais de quatro milhões e meio de fiéis ouvintes. "Claro que na consolidação da rádio de palavra influiu muito o processo democrático espanhol", observa Iñaki, como é conhecido e insiste em ser tratado: "Também há a paixão espanhola pela palavra, pelo ambiente de tertúlia que todos reconstruímos nos estúdios".Durante seis horas e meia, Iñaki está ao leme: primeiro, até às oito e meia, na leitura consecutiva de telexes. "É a informação pura e dura, seguindo as indicações dos seis jornalistas que asseguraram o serviço nocturno", relata: "quando chego, tenha boa parte do trabalho feito, porque o meu corpo de edição é apenas constituída por sete pessoas, e não sou um elemento estranho aos serviços informativos da SER". A mão abandona o tampo da mesa, agita-se no bolso do casaco de malha até encontrar o primeiro de muitos rebuçados que, a partir de então, suavizam uma voz já cansada:"vejo os jornais, preocupo-me com os editoriais, mas sigo sempre as indicações de quem trabalhou antes, porque, afinal, o que eu tenho de fazer, comparado com um jornal, é dirigir durante a manhã consecutivas novas edições".Depois, segue-se o espaço de opinião: a tertúlia, o comentário e a entrevista. "As tertúlias tiveram o seu auge quando a vida política viveu momentos de grande paixão e tensão, agora vão baixando de interesse", observa. O terceiro e último capítulo do programa, é um magazine: "cada vez com maior incidência cultural, de propostas de leitura, de filmes, de música". Há escassos três anos, esta fase derradeira de "Hoy por Hoy" era diferente: mais popular, dirigida a um público diverso. "As programações matinais das televisões atraíram essa audiência, mais idosa, dos reformados às donas de casa, pelo que nos adaptámos a ouvintes mais escolarizados e jovens, que por serem desempregados, trabalharem em casa ou estarem a estudar têm outras exigências", relata.Das janelas do estúdio onde estamos avistam-se os telhados da Gran Via madrilena, descobrem-se pequenos e convidativos terraços. Oito andares mais abaixo é o formigueiro do trânsito e de pressas. Iñaki já teve a habitual reunião preparatória de novas emissões e faz o retrato-robt de quem com ele convive, através das ondas, pela manhã: "na primeira fase a audiência é masculina, embora se esteja a aproximar de um equilibrio pela mudança do estatuto da mulher espanhola, mas nas últimas partes do programa quem nos ouve mais é o público feminino". No total, 4,5 milhões que confiam numa voz resistente à rouquidão "à força" de rebuçados.

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