O petróleo da Charneca

A verdejante ilha de Monserrat empalideceu, em 1997, ao ficar coberta pelas cinzas de um vulcão violento. Muitos dos habitantes fugiram e os que ficaram assistiram a um espectáculo tão belo quanto horrível: cinzas, vapores e rochas deslizaram da montanha a 110 quilómetros por hora e sepultaram a capital. O vulcão, que ainda permanece activo, afastou da ilha conhecida pelo nome de Esmeralda os turistas.

Na Chamusca e concelhos limítrofes da Charneca do Ribatejo e do Alto Alentejo, a instalação há dez anos de uma empresa de recolha e transformação de cogumelos silvestres teve um impacto grande na população.A aptidão destes solos para as variadas espécies é tanta e os recursos económicos dos seus habitantes tão poucos que a procura dos populares "tortulhos" não parou ainda de crescer. A exploração do "petróleo da charneca" é de tal modo frenética que mesmo as áreas militares são invadidas pelos apanhadores de cogumelos - enquanto os proprietários das terras dão já sinais de querer "privatizar" o negócio.Desde que há exactamente dez anos se instalou na Chamusca a Champiluso, uma unidade de transformação de cogumelos silvestres pertencente ao grupo France Champignons, alterou radicalmente o modo de vida não só de centenas de famílias da Charneca Ribatejana e do Alto Alentejo, como a de milhares de pessoas que de Bragança a Monchique se dedicam mais intensamente ou em "part time" à apanha dos apreciados fungos."Escolhemos a nossa instalação na Chamusca porque, além de ser uma zona de produção importante de cogumelos, fica no centro do país, permitindo assim que os nossos camiões de recolha possam fazer os circuitos para Norte, Centro e Sul, transportando em tempo útil os cogumelos recolhidos em cerca de mil postos de colheita dispersos por várias aldeias de todo o país", revela ao PÚBLICO Vasco Medinas Oliveira, director fabril e comercial da Champiluso, recordando que o "investimento inicial foi de 65 milhares de contos, incluindo a compra de terreno e as instalações e equipamentos indispensáveis à actividade fabril".Nas centenas de aldeias da Charneca do Ribatejo e do Alto Alentejo, onde várias espécies agaricáceas têm invulgares condições de desenvolvimento, muitos habitantes consideram-nos os seu "abono de família". Outros, mais pragmáticos dizem que "o verdadeiro abono de família é a Champiluso, já que dantes também havia cogumelos e pouco proveito se tirava deles". De uma forma ou de outra, todos reconhecem que "os cogumelos são o petróleo da Charneca" e sem eles, a vida de muitas famílias seria de profunda pobreza.No fundo, parece que os cogumelos silvestres nasceram para ter uma nobre função social de compensação dos mais humildes, "escondendo" também alguns segredos da sua forma de desenvolvimento, de forma a que os mais poderosos nunca esqueçam o seu "know how". É um facto que, em todo o mundo, a maioria dos cogumelos silvestres cresce apenas em terrenos pobres, fazendo simbioses com os sobreiros e eucaliptos e, nas zonas mais altas, com os próprios pinheiros", esclarece Vasco Oliveira, adiantando o pormenor de "não gostarem de solos ácidos, razão pela qual não se dão em terrenos calcários"."A verdade porém é que há outras características indispensáveis ao desenvolvimento dos cogumelos que não são totalmente desconhecidas, pois caso contrário, e como é natural, reproduziríamos essas características em locais próprios e passaríamos a fazer cogumelos de cultura", reconhece o director da Champiluso.Se os fungos frutificados têm os seus segredos, os seus apanhadores não lhes ficam atrás. Fazem uma vida de sucapa, fingimentos e enganos. Quem não proceder assim, pode mudar de ramo."Há basicamente, duas grandes alturas de aparecimento de cogumelos: uma, entre meados de outubro e Abril, a a outra, mais curta, nos finais de Junho, que dura apenas cerca de 15 dias, isto para as variedades comercializáveis. Estas podem ser tanto em fresco, como em produto congelado, a que recorremos quando há excesso de cogumelos entregues", afirma Vasco Oliveira, adiantando que não há um perfil característico de apanhador de agaricáceas. Não tenho conhecimento que haja médicos na colheita de cogumelos, mas de resto, de pedreiros a bancários, passando por todas as profissões, há muita gente a dedicar-se à colheita dos 'tortulhos', como são conhecidos popularmente, apesar deste termo designar apenas uma das variedades", adianta o responsável.Sociedades ou grupos de apanhadores de "tortulho" é coisa que não há."É aos fins de semana que os apanhadores mais procuram as diferentes variedades. Saem, muitas vezes às seis da manhã, e chegam aqui ao meu estabelecimento por volta do meio-dia com a remessa que apanharam", explica uma colectora de Almeirim, uma das muitas pessoas que fazem a ponte de ligação do negócio dos cogumelos. Recebe, pesa e informa os apanhadores do preço dos cogumelos nesse dia, entrega a safra aos camionistas da Champiluso e paga, no dia seguinte, o rendimento ganho por cada entrega."Os apanhadores não andam por aí em grupo. Sociedade, só com a mulher e algum filho. Vão por vales e montes discretamente, procurando não ser vistos, para ninguém saber os locais em que se abastecem. Por vezes, chegam a andar mais alguns quilómetros para que, quando chegam aqui, ninguém desconfie por onde andaram", sublinha a colectora."Os preços variam de dia para dia e também dependem da variedade recolhida. Quando chegam estão ansiosos. Se o preço é bom vão almoçar à pressa e apanham mais, mas se o valor é baixo, dizem que o lucro é para a fábrica e já não vão durante dois ou três dias", conta, informando que os preços podem variar entre os cem e os 500$00 por quilo, preço estabelecido internacionalmente pela Champiland, a filial da France Champignons. "Trata-se de um negócio que envolve muitos outros países produtores, como a África do Sul, Canadá, Estados Unidos da América ou países do Leste Europeu", observa Vasco Medinas Oliveira, referindo que a Champiluso chega a pagar 3500 escudos por quilo de girola quando há escassez desta variedade. "Na época de plena produção é possível a algumas pessoas apanharem 50 quilos que, pagos a 500 escudos cada, já dão uma boa maquia, sobretudo se resultarem de uma única manhã de trabalho", diz o responsável fabril.Tudo se passa também como se as variedades se preocupassem com quem as apanha e com as suas necessidades económicas, não surgindo todas de uma vez, mas seguindo um "calendário". "No início da campanha, aparecem junto a tojos e sargaços; dez ou 12 dias depois de ter chovido cerca de cinco litros por metro quadrado, surgem junto aos sobreiros e, no fim das campanhas, colhem-se junto dos eucaliptos", explica o responsável fabril, notando que o aparecimento das espécies em períodos diferentes não só garante que a actividade da colheita seja prolongada como permite um melhor aproveitamento dos cogumelos em fresco, forma como é mais saboroso o seu consumo. Na Champiluso, além do director há apenas mais uma trabalhadora efectiva. As restantes operárias são empregadas sazonais. Ao contrário do ano de 1997, em que se obtiveram 600 toneladas de produto final, no ano passado condições climatéricas desfavoráveis reduziram a produção a metade.

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