Guerra de lugares

Foi num ambiente típico de regresso às aulas que a Assembleia da República ontem tomou posse. Mas, no meio da chamada e dos beijinhos e abraços, já se deu a primeira crise parlamentar, motivada pelos lugares do Bloco de Esquerda.

O Bloco de Esquerda conseguiu marcar a agenda parlamentar assim que a Assembleia da República tomou posse - ou melhor, enquanto a AR tomava posse. Ontem, os seus dois deputados - Francisco Louçã e Luís Fazenda - estiveram toda a sessão da manhã em pé no plenário, por não aceitarem os lugares que lhes foram entregues.Argumentando que são um grupo parlamentar, os deputados do Bloco de Esquerda não se conformam com os dois lugares da quarta fila, na extrema-esquerda do plenário, porque querem lugares na primeira fila. As duas deputadas de "Os Verdes" que também querem lugar à frente optaram por se sentar onde as colocaram, embora fazendo uma declaração prévia em que deixaram clara a sua posição.No entanto, o problema passa, sobretudo, pelo BE e ontem tomou tais proporções que foi tratado pela conferência de líderes, que se reuniu antes de almoço. E aí o PS mostrou abertura para ceder dois lugares (um na primeira outro na segunda fila). Contudo, nem assim se caminhou para um consenso. É que o BE não exige só a primeira fila - quer a primeira fila na extrema-esquerda do plenário. Mas aí os lugares são do PCP, que não está disposto a ceder. Ontem ainda foram feito alguns contactos entre o BE e o PCP, com Louçã a ir ao gabinete do líder parlamentar comunista, Octávio Teixeira, mas não houve mais desenvolvimentos. Uma vez que, tradicionalmente, a arrumação dos partidos no plenário é feita pela sua orientação ideológica, o PCP não quererá dar ao Bloco dois lugares que lhe dão a posição de esquerda mais à esquerda.Hoje o assunto será discutido nas reuniões dos vários grupos parlamentares e, para o fim da tarde, está marcada uma conferência de líderes para tentar encontrar um consenso. Caso não seja conseguido, o assunto chegará amanhã a plenário, podendo os deputados acabar por ter que votar uma deliberação para decidir de vez onde é que os "bloquistas" vão sentar-se.O primeiro dia parlamentar foi, pois, dominado pela questão dos lugares dos representantes eleitos pelo Bloco de Esquerda que, nos corredores, já eram criticados pela sua arrogância. E era também nos corredores que se vivia um ambiente típico de regresso às aulas. Muitas conversas, beijinhos, abraços, apertos de mão, como após as férias grandes. E até houve chamada.A tomada de posse é, aliás, uma mera chamada dos eleitos, que, à medida que os seus nomes vão sendo lidos pelo secretário da mesa, vão levantado o braço ou dizendo "presente". Contudo, os 230 deputados que, de manhã, tomaram posse formavam um retrato virtual do que irá ser a Assembleia da República nesta oitava legislatura. Isto porque os membros do Governo cessante não puderam tomar posse, tal como outros elementos que desempenham cargos incompatíveis com o mandato de deputado. Por isso, terminado o plenário da manhã, reuniu-se a comissão de verificação de mandatos, que fez um relatório e parecer, já com muitas substituições indicadas. O Parlamento que se reuniu à tarde, para votar esse mesmo relatório, até já era outro, porque, por exemplo, os autarcas que tinham tomado posse de manhã já tinham sido substituídos. Assim, um terço dos eleitos não tomou posse ou cessou imediatamente funções.Contudo, não ficará por aqui. Ainda haverá muitas substituições a fazer, nomeadamente dos eleitos que vão para o Governo. É o caso de Alberto Martins e Manuela Arcanjo, que ontem tomaram posse como deputados, horas antes de o fazerem como ministros. E assim foi decorrendo o primeiro dia desta legislatura, com uns a chegar, outros a partir e muitos estreantes, alguns dos quais não conseguiam disfarçar um certo ar de quem estava perdido nos corredores de São Bento, sem saber como chegar aos gabinetes ou como sair do palácio. Mesmo alguns que já andam há anos pela AR estavam ontem um bocado baralhados, a perguntar aos funcionários como se ia para o edifício novo. E houve ainda o caso do deputado Francisco Torres, que, durante as férias, mudou do PSD para o PS e, quando chegou a hora de se sentar no plenário, ficou ali, entre o deslocado e o confundido, na zona de fronteira entre os dois grupos parlamentares.

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