Universidades privadas estão a facilitar acesso dos estudantes às licenciaturas

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Escolas permitem acesso a cursos de Saúde sem Biologia Foto: DR

As instituições de ensino superior privadas estão a usar a figura do aluno externo para responder à diminuição da procura. Desta forma, permitem aos estudantes - que não têm condições para aceder ao ensino superior - a frequência das aulas e, posteriormente, o acesso ao regime de equivalências. Há institutos em que essa possibilidade está mesmo a ser usada como forma de captar novos alunos. Também as públicas usam esta figura. Afinal é uma prática legal. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) admite rever a legislação para evitar abusos.

A alta taxa de reprovação no exame nacional de Biologia e Geologia A do 12.º ano foi o mote para uma campanha de angariação de novos alunos lançada esta semana pelo Instituto Superior de Saúde do Alto Ave (Isave), sediado na Póvoa de Lanhoso. "Não fizeste Biologia? Não percas um ano. Vem para o Isave", anuncia uma brochura, a que o PÚBLICO teve acesso. O regime criado pela instituição permite que o estudante frequente "todas as unidades curriculares do primeiro ano da licenciatura" ao mesmo tempo que recebe "formação específica" para se preparar para o exame de Biologia do próximo ano, onde terá de obter a nota mínima obrigatória para ingressar no ensino superior.

O que o Isave cria é uma espécie de "ano zero", usando a figura do aluno externo, que está prevista na lei, como acontece na generalidade dos países europeus. Porém, a legislação deveria servir para que os alunos do superior frequentassem formações complementares à sua ou para que estudantes sem qualificações tivessem aulas em disciplinas mais específicas.

Além do Isave, há outras instituições privadas que estão a adoptar a mesma solução. O Instituto Superior D. Dinis, do grupo Lusófona, tem sublinhado a possibilidade de os estudantes poderem começar a frequentar o curso pretendido "enquanto concluem as cadeiras em atraso no ensino secundário". A instituição da Marinha Grande garante que o aluno "logo que reúna as condições" para ingressar no superior terá as unidades curriculares que fez "creditadas", podendo avançar para o ano seguinte.

Casos como estes têm sido acompanhados pelo MEC que, na revisão do quadro legal do ensino superior, que está a preparar, poderá mexer nesta possibilidade. A tutela "está a reexaminar a legislação sobre cursos e graus, com o objectivo de aperfeiçoar ou corrigir os pontos em que se detectem insuficiências", informa fonte do gabinete de Nuno Crato.

"A lei, de facto, permite uma situação destas, mas não foi para isto que foi criada", explica, por sua vez, Meira Soares, presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior. O que está a ser feito pode ser visto como uma forma de "contornar a legislação em vigor", o que sendo "legal" é "eticamente duvidoso", refere aquele responsável.

"Apoiaria uma solução destas, se isto fosse de facto um ano zero [preparatório], em que os alunos estivessem a aprofundar a sua preparação para o ensino superior, mas aqui estão a fazer cadeiras que depois são creditadas com recurso às famosas equivalências", ilustra.

Medicina mais curta

Há uma semana foi noticiado o acordo entre a Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário (CESPU) - com pólos em Paredes e Famalicão e frequentada por 900 alunos -, com a universidade espanhola Afonso X. Os alunos da escola portuguesa com três anos da licenciatura em Ciências Biomédicas concluídos podem mudar-se para Madrid, saindo de Espanha licenciados em Medicina ao final de dois anos. A situação levou o presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a afirmar que a formação médica está "seriamente comprometida". "Sem uma formação clínica sólida teremos, no futuro, médicos de primeira e de segunda, como já acontece por exemplo nos EUA".

O vice-presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), Miguel Faria, sublinha que "a lei permite" que as instituições usem a figura do aluno externo desta forma, mas informa não ter dados que permitam perceber se esta é uma prática generalizada no sector privado. "Não podemos continuar a ser os bombos da festa quando alguma coisa corre mal no ensino superior", defende.

A lei também permite às instituições públicas acolher alunos externos, mas Sobrinho Teixeira, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, diz que o regime é utilizado nos politécnicos "maioritariamente" por estudantes que já estão inscritos num curso mas pretendem complementar a sua formação realizando cadeiras adicionais de forma avulsa.

Já o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas diz que "está a ter em atenção" esta questão e que será estudada brevemente. Segundo o diário i existem pelo menos três universidades públicas que permitem a entrada de alunos externos. Só a Universidade Católica não o faz.

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