Reportagem: “Cumprir a avaliação docente é uma questão de lei e de profissionalismo”

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Rogério Azevedo com o director, Adelino Calado Rui Gaudêncio

A avaliação dos professores é como o desporto: “Se eu estou dentro de um determinado jogo cumpro as regras, posso discuti-las depois, mas não no jogo”. A táctica é do director do Agrupamento de Escolas de Carcavelos. Adelino Calado é professor de Educação Física e está habituado ao fair-play. Daí que na sua escola a polémica avaliação tenha sido feita “com tranquilidade”, pois não quiseram “negar à partida uma ciência que desconheciam”. Fora das quatro linhas da escola o derby foi outro: mais de metade dos professores juntou-se aos protestos. Quase no final da partida, Adelino Calado admite ser cedo para conclusões. Reconhece “muitas vantagens” ao polémico modelo, mas deixa um cartão vermelho à pressa com que foi lançado.

A opinião é comum aos docentes da escola, que dizem ter cumprido o processo essencialmente “por uma questão legal e de profissionalismo”. “Tentámos sempre manter a escola como um espaço calmo e sereno”, explica Isabel Saraiva, professora de Biologia e Geologia e coordenadora do Departamento de Matemática e Ciências Experimentais. “Não podemos usar a cidadania ou as nossas ideias para instrumentalizar a escola”, reiterou. Uma serenidade presente entre o corpo docente e os alunos e que se reflecte na organização do espaço, onde só os risos agudos próprios da idade e o soar ritmado da campainha do recreio recordam que a instituição tem centenas de crianças.

Para a docente, o segredo esteve em “não dramatizar como fazia a opinião pública”, já que todos concordaram que “em todas as instituições o mérito tem de ser premiado”. Por isso, esforçaram-se sempre para colocar em prática o complicado modelo, “não levantar ondas” e afastar os Velhos do Restelo. O que não foi difícil numa escola próxima do mar, muito ligada às actividades náuticas e onde o sal aventureiro dos Descobrimentos ainda corre pelos corredores e decora as paredes com quadros de motivos marítimos. “Desde o início que houve uma tentativa de simplificar e de clarificar tudo para não tornar a avaliação e principalmente o preenchimento das fichas de objectivos individuais numa coisa complicada que ocupasse muito tempo. Apresentámos sempre alternativas”, explica Adelino Calado. O segredo para chegar a bom porto.

Porém, o director reconhece que houve muitas vagas. “Há uma grande dificuldade inerente ao que tem sido o ensino. Estávamos e continuamos muito ligados às coisas qualitativas, que agora nos pedem para tornar quantitativas”, sublinha. As fichas de objectivos individuais foram um dos nós que procuraram desfazer. O mesmo foi feito em relação aos critérios pedagógicos que deveriam ser analisados nas aulas observadas – um dos pontos mais positivos do processo pois permitiu que “os professores abrissem a porta das salas de aula” a um colega.

Assiduidade

Outra tempestade foi avaliar a assiduidade dos docentes: é preciso perceber se uma aula não dada representou uma falta não justificada ou justificada e, neste último caso, se o professor esteve numa visita de estudo, se se fez substituir e, caso o tenha feito, se deixou plano de aula ou se esta foi dada por um colega de outra área. “Em termos de verificação se multiplicarmos por 160 professores dá um número astronómico de verificações para as quais nós não estávamos preparados. Eventualmente um programa informático resolveria isto”, desabafou o director.

Mas nem programa informático, nem tempo para preparar instrumentos que ajudassem na burocracia. “Houve uma precipitação em querer colocar a avaliação em prática e que quase invalidou algumas coisas boas que tinha”, acusa o director, que também reconhece que muita coisa foi “aproveitada do ponto de vista político e sindical”. Mas, em geral, por terem cumprido o estipulado pelo Ministério da Educação, esperam que a tutela lhes reconheça a legitimidade de com conhecimento de causa orientarem o rumo das alterações. Se tivesse que avaliar a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, Adelino Calado não teria dúvidas: nota máximo em conhecimento do que é necessário, negativa no “timing” que escolheu.

Do lado dos avaliados, os mesmos problemas, apesar de estarem satisfeitos por finalmente terem uma avaliação real e adaptada à profissão, que lhes permite reflectir e fazer planos para melhorarem. Rosa Simões é professora contratada de Matemática e prefere solucionar os problemas do que tentar abolir todo um projecto através de manifestações como a de hoje. “Eu discordo de alguns pontos da avaliação mas não do processo em si, porque introduziu alguma justiça”, diz. “A minha perspectiva é vamos experimentar, ver, moldar, adaptar e melhorar”.

E concluiu que a parte da formação não está a funcionar, especialmente para os contratados. Aponta também dificuldades à contabilização das faltas e à eficácia da observação de apenas duas aulas. “Não gostei que as regras do jogo estivessem sempre a ser mudadas ao longo do ano lectivo”, aponta, admitindo que ficou feliz por as notas dos alunos não contarem, por considerar perigoso um critério que depende directamente do docente.

Alunos querem avaliar mestres

Os alunos também querem dar notas aos “stores”. Rogério Azevedo, 16 anos, aluno do 11º ano e presidente da Associação de Estudantes, considera que agora os professores têm mais “metodologia” e deixa um conselho aos docentes das outras escolas: “Deviam perder um bocadinho menos de tempo a pensar naquilo que está mal na avaliação”. E até sugere uma nova nomenclatura: “gestão de desempenho”, pois os docentes podem, só pela leitura do que é pedido, perceber se estão na rota certa ou prestes a naufragar.

Depois recorda, que “a subida na carreira é apenas um item do processo”. E resume: “A profissão de professor vai marcar o cidadão, o aluno, o jovem em termos de evolução enquanto pessoa. Se esse professor for mau vamos ter jovens maus. Se as outras profissões são avaliadas porque é que esta com este acréscimo de responsabilidade de formar pessoas não é?”. Sobre os próximos anos admite uma evolução semelhante à do IRS: “Talvez alguns campos sejam preenchidos automaticamente e o professor só os mude se quiser”.

Para a professora de História e avaliadora Cibele Guerreiro a clareza da escola foi a âncora do sucesso, para o qual também contribuiu o “simplex” do modelo inicial. Sobre as aulas que observou diz ter sentido orgulho pelo profissionalismo dos colegas. Mas não concorda que a observação conte para a subida na carreira. “Deviam servir para a auto-reflexão, para discutir com os colegas e contar apenas negativamente para quem não nos quisesse abrir a porta”, sugere. “Fiquei a perceber que o domínio dos conteúdos científicos nunca é demasiado”. Sobre manifestações como a de esta tarde, sente que “o extremar de posições não foi bom para as escolas”. E acrescenta: “Temos que implementar e experimentar e depois então criticar e o ministério deve ter ouvidos abertos para tentar corrigir porque nenhum projecto à partida é perfeito”.

Quando questionada sobre o melhor deste processo, Isabel Saraiva não duvida que foi ter unido e posto os professores da sua instituição a trabalhar em conjunto. “As pessoas conversam mais umas com as outras e deixaram de trabalhar tão isoladas. Pouco a pouco o professor deixa de ser rei e senhor dentro da sala de aula”.

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