Associação Académica de Lisboa gere "saco azul" com o aval das associações de estudantes

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A Semana Académica é uma das fontes de financiamento da AAL Rui Gaudêncio

A actividade financeira da Associação Académica de Lisboa (AAL) está a ser gerida através de uma conta bancária paralela desde 2010, o que já levou a várias demissões na direcção.

A conta foi aberta na Caixa Geral de Depósitos (CGD), num balcão existente no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Tem como primeiro titular Luís André Fernandes Castro, 29 anos, estudante do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa e presidente da direcção da AAL desde Fevereiro de 2010.

Luís Castro foi eleito por um ano e reeleito a 3 de Março deste ano. É também presidente da Secção Oriental de Lisboa da Juventude Social-Democrata. E, ao que o próprio escreve num blogue, foi membro da comissão política de Cavaco Silva na candidatura à Presidência da República e um dos mandatários da juventude de Pedro Passos Coelho.

Documentos a que o PÚBLICO teve acesso demonstram, por exemplo, a existência de nove depósitos em dinheiro no mesmo dia, a 17 de Maio: 21 mil, 300, 400, 475, 440, 200, 145, 250 e dois mil euros. Além de pagamentos de 194,60 euros num restaurante e de 420 euros num hotel, também em Maio. Nesse mês, entre os dias 9 e 14, decorreu a Semana Académica, uma festa com música ao vivo.

"Estes e outros movimentos, a proveniência e o destino são inexplicáveis", diz fonte próxima da direcção. "Todos os elementos da direcção, da assembleia geral e do conselho fiscal da AAL, e membros de muitas associações de estudantes de Lisboa sabem da existência da conta paralela, mas só duas ou três pessoas na AAL conhecem os extractos", garante.

Um vice-presidente eleito em Março, Tiago Rapaz, afastou-se da AAL a 18 de Setembro, alegando, na carta de demissão, que "a existência na CGD de uma conta bancária paralela, titulada individualmente por alguns elementos da actual direcção", é "repugnante". Não foi possível apurar quais os outros titulares da conta.

Nuno Nabais, outro dos vices que entretanto se demitiram, já questionara numa reunião da direcção em Julho "o porquê de não se saber o que se paga, a quem e em que modos, que verbas dão entrada nessa conta, provenientes de onde". Na acta dessa reunião, o presidente da direcção não desmente a existência da conta.

O tesoureiro demissionário, Vítor Santos, confirmou ao PÚBLICO que a AAL trabalha com uma conta paralela e assegurou que "todas as associações de estudantes federadas na AAL têm conhecimento". Um dirigente associativo acrescenta que "a melhor prova de que aquela conta existe foi o facto de Luís Castro, em fins de Fevereiro, ter pedido às associações que fizessem o pagamento das quotas para aquela conta, e não para a oficial".

Demissões em série

O "saco azul" terá sido criado no início do primeiro mandato de Luís Castro, como forma de contornar as penhoras judiciais que impendem sobre a conta bancária oficial. Todo o dinheiro que entrasse nessa conta reverteria para os credores, entre os quais se contam o Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa, a Sagres, a Optimus e a empresa de licenciamento de música Pass Music.

Ao mesmo tempo, a AAL acumula dívidas de cerca de 60 mil euros à Administração do Porto de Lisboa (APL), proprietária de um armazém na zona de Santos, conhecido como Espaço Ágora, onde a AAL tem sede. Uma carta do conselho de administração da APL, de 29 de Agosto, comunica à AAL uma decisão de despejo "por razões de incumprimento" no pagamento de rendas. "A AAL deverá devolver a parcela livre e desembaraçada de pessoas e bens até 15 de Setembro", lê-se. Até agora não aconteceu.

O mal-estar na AAL levou à demissão, nos últimos meses, de seis membros da actual direcção e à convocação de uma assembleia geral extraordinária, que teve lugar na quarta-feira, 12. Um dos pontos em discussão, de acordo com a convocatória, foi a "apresentação dos movimentos bancários da AAL". Luís Castro não apresentou quaisquer documentos, alegando não ter sido formalmente informado da realização da assembleia geral.

A AAL é a maior e mais antiga federação de associações de estudantes do país, representando hoje 148 mil estudantes. As suas fontes de rendimento são eventos académicos, subarrendamento de lojas no Espaço Ágora e quotas pagas pelas associações de estudantes, que, por sua vez, são financiadas em parte pelo orçamento das instituições de ensino superior.

Luís Castro, o vice-presidente José Castela e Ricardo Abreu, presidente do conselho fiscal, foram contactados várias vezes pelo PÚBLICO nos últimos dois dias, mas não quiseram prestar declarações.

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