António Sampaio da Nóvoa: “Chumbava o ministro Mariano Gago”

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Sampaio da Nóvoa defende que Portugal não deveria ter mais de 7 ou 8 universidades Miguel Manso

António Sampaio da Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa (UL) desde 2007, não tem dúvidas em afirmar que “chumbava” o ministro Mariano Gago na área do Ensino Superior. Porque não teve coragem para enfrentar os interesses instalados e fazer as duas reformas mais importantes: a reorganização da rede do ensino superior e a revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitário.
Em entrevista ao PÚBLICO, a propósito das comemorações do centenário da UL, o reitor garante que a instituição é sustentável financeiramente. E até admite receber menos dinheiro desde que o Governo o deixe trabalhar em paz.

A UL é sustentável financeiramente?

Com o actual modelo de financiamento e nos patamares de financiamento, conseguimos sobreviver e conseguiremos fazer algumas coisas positivas se não nos cortarem as asas e não nos forem cortar 20, 30 ou 40 por cento em cativações… é que isso desmobiliza completamente. Temos patamares mínimos de sobrevivência mas se o Governo cumprir os seus compromissos e nos deixar trabalhar são suficientes para conseguirmos dar um salto e irmos à luta e buscar novos financiamentos.

Fala-se muito em novas fontes de financiamento mas as universidades continuam a viver sobretudo do Orçamento do Estado.

Nesse aspecto noto uma grande mudança na cultura universitária. Creio que temos procurado fazer o nosso caminho. Todo o trabalho de internacionalização e os acordos que possamos fazer podem ser um elemento importante de desenvolvimento das universidades. Era muito importante que o Governo ajudasse. Mas não. Tem gasto dinheiro em programas mirabolantes como os programas do MIT. Os governos europeus estão a apoiar a internacionalizaçãodas universidades. As universidades francesas e inglesas estão a entrar em Angola e Moçambique. Nos devíamos estar também nesses processos mas o Governo tem ajudado pouco para não dizer nada. Mas nós temos feito alguma coisa.

Há uma segunda lógica: a dos contratos e projectos de colaboração com empresas. Há muitas coisas que são feitas nas empresas que poderiam ser feitas em colaboração com as universidades.

A necessidade dessa colaboração também já se fala há alguns anos mas os empresários parece que ainda não têm essa consciência?

É difícil pois estamos a trabalhar com um problema geracional de um conjunto de empresários que, em muitos casos, têm níveis de qualificação muito baixos e até vêm muitas vezes como uma ameaça a existência de pessoas mais qualificadas. Mas muito tem sido feito. E em terceiro lugar, há o fund raising. Mas é muito difícil em Portugal e na Europa. Não temos a cultura do mecenato como nos EUA. Mesmo em Inglaterra não há muito.

A passagem a fundação não é uma alternativa? O presidente do CRUP defende que o caminho é esse.

Sou muito crítico em relação à maneira como o modelo fundacional foi introduzido. Não sou crítico em relação ao modelo em si. É um modelo possível e admito essa hipótese quando houver um novo ciclo político. Porque não no actual?

O modelo em si pode resolver alguns problemas mas foi mal lançado e o debate ficou envenenado. O modelo foi introduzido para partir as universidades, para retirar faculdades das universidades. O objectivo era que determinadas faculdades, as melhores, saíssem das universidades e formassem uma nova entidade. É inadmissível. Não aconteceu em parte nenhuma do mundo. E em segundo lugar foi lançado de uma maneira muito autoritária. A primeira versão do regime jurídico, depois o Governo teve de recuar pois viu que nenhuma ia aceitar, dizia que o Conselho de Curadores tinha de ser nomeado pelo Governo. E as universidades disseram todas que não. Depois pôs-se lá nomeada pelo Governo sob proposta das universidades. Esta matriz levanta muitos problemas. Não é uma maneira transparente nem correcta de fazer isto.

O prof. Vital Moreira, o pai desta criatura, num debate na Universidade do Minho, explicou que isto são falsas fundações. Listou um conjunto imenso de vantagens, mas depois referiu que há três grandes desvantagens: a submissão da universidade a um conselho de curadores exterior à própria universidade; maior complexidade institucional e jurídica e disse que vai haver inevitavelmente perdas de prerrogativas nas áreas submetidas ao direito privado. Tiveram um propósito mais conjuntural, de criar alguma contabilidade criativa, do que propriamente um processo sério, transparente partilhado, discutido. Se tivesse sido de outra maneira estaria completamente disponível para discutir o modelo.

O próprio Vital Moreira diz que há uma diferença entre fundações públicas com regime de direito privado, que é o que está no Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), e fundações públicas de direito privado. Agora vá ver os decretos lei que criam as três universidades fundacionais e em todas diz que são fundações públicas de direito privado. A confusão do ponto de vista de enquadramento legal é total. E isso levou a que as iniciativas fossem tomadas por um critério de oportunidade política. Ouvi muitas vezes o comentário “a gente não sabe bem mas se o governo quer isto há-de trazer alguns benefícios”. Não é a maneira como eu concebo nem a autonomia nem a independência das universidades.

As universidades vão conseguir cumprir as metas do Contrato de Confiança (CC) com o Governo?

O CC foi muito positivo. Os níveis de financiamento das universidades são baixíssimos mas não estamos em condições de pedir nada. Neste momento não peço dinheiro. Se for preciso dêem-me até menos dinheiro mas deixem-nos trabalhar em paz. As universidades estão a ser bloqueadas através de uma permanente ingerência da máquina administrativa e das Finanças. É um mundo de uma insanidade total. É inacreditável e impensável em qualquer parte do mundo. Por exemplo, as propinas dos estudantes, são cativadas para pagar o défice público e para pagar os disparates do BPN e outras coisas. Nós fazemos contratos, projectos de investigação, e candidatamo-nos a fundos e depois são cativados. Era preciso haver um quadro mais claro. Se esse quadro existir, nós temos capacidade para cumprir uma parte significativa das metas do CC.

As universidades estão preparadas para mais medidas de austeridade?

Depende do que estivermos a falar. O que era importante era haver uma grande liberdade das instituições, obviamente com prestação de contas e responsabilidade. Não podemos é estar num lógica em que não sabemos com o que contamos. Conseguimos sobreviver com menos, mas não conseguimos sobreviver com a permanente ingerência. Cada vez que me dizem que vai sair uma nova portaria para simplificar alguma coisa fico em pânico. Atrás dessa simplificação vêm 200 regulamentos, 37 normas, 50 não sei quê. Há regulamentos para tudo. O problema nesta altura já não se põe tanto no volume de dinheiro mas na governabilidade das instituições. Num momento, em que o país está numa situação de ingovernabilidade, o país não aguenta mais. É preciso que as instituições e, sobretudo as universidades sejam governáveis e dêem um grande sentido de grande responsabilidade. E estamos preparados para aguentar o país. Desde que o dia-a-dia não seja um permanente complicador. O Governo deveria ajudar e não complicar.

A responsabilidade é do Governo ou do seu líder?

Neste caso em concreto, nem é do Governo, nem do líder. É da máquina burocrática e administrativa que acaba por nos dominar a vida.

E não era assim já? E não continuará assim independentemente de ser este ou outro Governo?

A minha percepção é que hoje está pior quando comecei como reitor há quatro anos. A vida das instituições já era muito controlada, mas agora é ainda mais controlada.

Apesar do CC já afirmou que as mudanças necessárias ainda não foram feitas: reorganização da rede do ensino superior e a revisão do estatuto da carreira do docente universitário. Em relação à primeira questão, parece que ninguém quer dar o primeiro passo.

Há esse medo. O imobilismo é muito forte neste sector. É muitíssimo difícil porque isto é o que dói. Uma acção política corajosa era colocar esta questão em cima da mesa. Toda a gente concorda com o diagnóstico, mas na altura que se põe em cima da mesa, começa-se a arranjar umas desculpas. No caso da UL, essa crítica não pode ser feita. Estamos dispostos a dar todos os passos com outras universidades da região que o queiram. Não acho útil nem desejável nenhuma uniformização, que se façam amálgamas de coisas, que se junte tudo. Mas acho desejável que se duas instituições ou mais quiserem caminhar no sentido da sua junção ou união, o governo pelo menos não as impeça, que foi isso que aconteceu há uns anos com o Instituto Politécnico de Lisboa. Já não estou a pedir que faça o que está a fazer em todo o mundo mas que não impeça.

Como está o processo de fusão dos serviços de acção social com a Universidade Técnica (UTL)?

Há coisas que não devem ser faladas antes do tempo. Do lado da UL e da UTL há possibilidade de um trabalho conjunto. Estamos dispostos a dar todos os passos e chegar o mais rapidamente possível ou a um processo de consórcio ou a um processo de ligação em que haja uma instituição-chapéu, ou projecto de maior integração. Isto não quer dizer que tenha que haver só uma universidade em Lisboa.

Tendo em conta a realidade actual e â de outros países, qual seria o número razoável?

Acho que Portugal não devia ter mais do que sete ou oito universidades públicas. E acho que já estou a ser muito benevolente. Quando digo isto não quer dizer que não haja, como há em todo o mundo, instituições que podem ter o nome de universidade, mas que têm outra vocação. Há muitos países em que houve tradição de haver universidades médicas. Como há muitos países em que a Economia e a Gestão estão autonomizadas. Eu não quero acabar com as universidades. É essencial que as universidades se coliguem. Se calhar é melhor do que a ideia de fusão, e criar massa crítica através disto. Depois podem manter a sua identidade.

Não há ainda uma mentalidade muito paroquial das pessoas que estão à frente das universidades, que não querem perder as suas “quintinhas”?

Não tenho nenhuma dúvida. Portugal é um país muito paroquial. Mas é preciso romper com isso. E as universidades têm uma enorme responsabilidade. Se não formos nós – o lugar onde se formam as elites - a romper com isso, não temos o direito de mandar pedras a ninguém.

Reconhece que neste momento ainda não existem condições para romper…

Neste momento, se não houver obstáculos do Governo e ingerências politicas indevidas, acho que temos boas condições para, num prazo muito curto, podermos dar passos muito fortes e decididos na nossa ligação com outras instituições da região de Lisboa. Estou absolutamente convencido. É mesmo a única coisa que me interessa como Reitor. E tenho esta enorme vantagem de dizer que não sou candidato a nada. Estou aqui a tentar fazer uma coisa que não é para mim. Toda a gente sabe que no dia em que deixar de ser reitor, 24 horas depois estarei no estrangeiro.

Em relação à revisão do Estatuto da Carreira Docente, já afirmou que “a nossa estrutura universitária continua ser muito pouco promotora do mérito”…

As pessoas não têm bem a noção do que é. Há coisas que são do domínio do absurdo. Se eu tiver um prémio Nobel da Economia que queira concorrer a professor catedrático não pode. Porque não tem agregação, que é uma invenção portuguesa. O estatuto é um instrumento que foi útil há 30 anos. Mas que é hoje um enorme empecilho e que é de uma burocracia. É muito difícil promover uma cultura do mérito quando no fundo as promoções na carreira estão a ligadas a burocracia. Se há uma matriz de falta de coragem do ponto de vista político nestes cinco anos, foi que não se fez nada na reorganização da rede do ensino superior e não se tocou em nada no estatuto da carreira do docente universitário. Não houve coragem para enfrentar os interesses instalados.

Chumbava portanto o ministro Mariano Gago?

Na área do ensino superior com certeza que sim. Mas também não foi uma área que lhe interessasse particularmente. A reorganização é enfrentar os interesses instalados, locais, de muitos deputados, que fazem este pais politico a que nos chegámos. E no estatuto, era enfrentar os intreresses corporativos internos que são muito fortes. E aos costumes disse nada.

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