Portugal já cumpriu o Protocolo de Quioto

Emissões de CO2 aumentaram 19%, quando podiam ter subido até 27%.

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Portugal chegou a 2012 com emissões bem abaixo da meta que lhe cabia Nelson Garrido

Portugal cumpriu o Protocolo de Quioto, o acordo internacional de 1997 que obrigava os países desenvolvidos a limitarem a libertação de gases com efeito de estufa. Numa trajectória de altos e baixos, o país chegou a 2012 com emissões bem abaixo da meta que lhe cabia, segundo o mais recente inventário que Portugal entregou ao secretariado da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas e que fecha o primeiro ciclo de Quioto.

As indústrias, automóveis, aterros sanitários, campos agrícolas e outras actividades no país não podiam lançar mais do que 382 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) para o ar, na soma dos cinco anos entre 2008 e 2012. Os valores ficaram, porém, em 362 milhões de toneladas. Se daí for descontado o CO2 que foi absorvido pelas florestas e o efeito das transformações do uso do solo, as contas são ainda mais favoráveis: 283 milhões de toneladas.

O Protocolo de Quioto tinha fixado uma meta de 8% de redução das emissões de CO2 para a União Europeia em 2008-2012, em relação a 1990. Este esforço foi repartido entre os Estados-membros. Com uma economia ainda menos desenvolvida, a Portugal foi permitido que aumentasse em 27% as suas emissões. De acordo com os últimos dados, o aumento ficou-se pelos 19%, sem contar o efeito das florestas.

Os valores são ainda preliminares. Os definitivos estavam a ser concluídos esta sexta-feira e vão agora ser entregues às Nações Unidas. Até ao Outono serão alvo de revisão e só então será oficialmente declarado que o país de facto passou no teste de Quioto. A União Europeia, como um todo, também cumprirá o Protocolo.

A evolução das emissões de CO2 no país não foi linear. Subiram vertiginosamente na década de 1990, à medida em que o país se desenvolvia e os portugueses passavam a andar cada vez mais de automóvel. Na última década, foi o contrário: caíram. E nos últimos anos a crise contribuiu ainda mais para a redução das emissões – 12% entre 2008 e 2012.

O secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, diz que a estagnação da economia não é o factor central. “A tendência de decréscimo vem desde 2005. Não duvido que haja um efeito da crise mais recente, mas há o efeito de políticas como a das renováveis, da eficiência energética, da fiscalidade automóvel”, afirma.

O sector da electricidade é o que mais contribuiu para redução de emissões. Fruto da crise e da eficiência energética, em 2012 a produção eléctrica foi praticamente igual à de 2005, segundo dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia. Mas as chaminés das centrais térmicas libertaram um terço a menos (-33%) de CO2. Os parques eólicos e as barragens assumiram maior protagonismo.

Na indústria houve também uma queda acentuada. As emissões do uso da energia nas fábricas subiram de 9,6 milhões de toneladas de CO2 em 1990 para 10,6 milhões em 2005. Depois, começaram a cair, chegando a 2012 com 7,4 milhões – menos 30% do que em 2005.

Paulo Lemos acredita que parte desta tendência resulta do Comércio Europeu de Licenças de Emissões – o sistema lançado na UE em 2005 que fixa quotas anuais de CO2 para cada unidade industrial. Como mercado, o sistema até agora tem falhado, pois há excesso de licenças de emissões e o preço do carbono caiu a níveis irrisórios, sem funcionar como incentivo à redução do CO2. Mas terá obrigado as empresas a pensar no carbono a longo prazo. “A indústria já assumiu a questão do CO2 como um factor de competitividade”, afirma o secretário de Estado.

Nos transportes, o cenário é diferente. As emissões dos automóveis duplicaram entre 1990 e 2005. Desde então também têm caído, mas a um ritmo menor. Em 2012 eram 14% mais baixas do que em 2005. Com isso, os transportes rodoviários passaram a ser o sector que mais liberta CO2 em Portugal, ultrapassando o da produção eléctrica.

“Poderia ter sido melhor se tivéssemos feitos opções que não fizemos”, avalia Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus. O país, diz Ferreira, preferiu investir em auto-estradas e não olhou como devia ser para o transporte de mercadorias. “Portugal precisa de um programa a sério de mobilidade sustentável”, reclama.

Francisco Ferreira considera que o cumprimento de Quioto “é uma boa notícia” mas alerta para o facto de parte do sucesso dever-se a políticas lançadas há mais de dez anos e que agora estão ser alteradas ou mesmo paradas. O principal exemplo é o dos incentivos às energias renováveis, que foram substancialmente reduzidos. “O nosso medo é que esta paragem tenha repercussões no futuro”,  alerta o dirigente da Quercus.

A UE já assumiu o objectivo de diminuir em 80% as suas emissões de carbono até 2050 e está agora a discutir uma redução de 40% já para 2030. E até 2020, Portugal tem de garantir que 31% de toda a energia utilizada no país é de fonte renovável.

O presidente da Associação de Energias Renováveis (Apren), António Sá da Costa, diz que só a electricidade verde não é suficiente para se chegar lá. De toda a energia consumida no país, 38% estão nos transportes e 34% nas necessidades de aquecimento e arrefecimento de casas, estabelecimentos comerciais e indústria.

O uso de painéis solares para aquecer água, por exemplo, é uma das áreas que não estão a avançar. “São medidas que estão esquecidas e estão a ficar para trás”, afirma Sá da Costa. E mesmo o que está em vigor deixa a desejar, como a obrigatoriedade de painéis solares em edifícios novos. “E o que é que há de edifícios novos?”, questiona o presidente da Apren. “Esta medida não tem efeito prático”, completa.

Apesar da “saída limpa” dos compromissos de Quioto, há sinais de que as emissões possam voltar a subir. A quantidade CO2 resultante apenas da queima de combustíveis fósseis – petroléo, carvão e gás natural – aumentou 3,6% em 2013, segundo dados do Eurostat divulgados quarta-feira. Esta subida estará associada aos sinais de retoma do segundo semeste.

O secretário de Estado do Ambiente diz, no entanto, que estes dados são ainda provisórios e apenas cobrem parte das emissões de CO2 do país. Quando as contas de 2013 estiverem feitas – em 2015 – “nada nos indica que o total não continue a diminuir”, refere Paulo Lemos.

 

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