Os conservacionistas não gostam de boas notícias

Notícias boas, para os conservacionistas, são perigosas porque podem conduzir à redução dos recursos disponíveis para a conservação.

A conservação da natureza e a gestão da paisagem são áreas de conhecimento em que a distinção entre facto e opinião nem sempre é fácil. As muitas, e complexas, teias de relação causa-efeito que estão por trás de cada observação explicam essa dificuldade.

Penso que é Jorge Palmeirim que diz, com muita propriedade, que a natureza não existe para que nós a estudemos, nós é que insistimos em estudá-la. Nestas circunstâncias não admira que, na dúvida, o crédito dado às más notícias seja muito maior que o crédito dado às boas notícias.

Presumir que uma espécie não tem problemas de conservação, quando eles existem, é muito mais perigoso do que presumir que a espécie precisa de medidas de conservação, quando, afinal, não está assim tão ameaçada. A valorização das más notícias, em detrimento das boas, leva ao uso de recursos na conservação de espécies que não precisam de medidas de conservação. E porque os recursos são sempre escassos, aumentamos o risco de faltarem onde precisamos mesmo deles.

Vale a pena ilustrar a ideia com um exemplo. O lince esteve muito, muito ameaçado, confinado a pequenas áreas no Sul de Espanha com populações em forte contracção. Esta situação decorreu, na minha pouco consensual opinião sobre o assunto, da brusca redução da população de coelho, primeiro nos anos 50 do século XX por causa da mixomatose, depois nos anos 80 por causa da pneumonia hemorrágica viral. Para se ter uma ideia do efeito devastador destas doenças refira-se que a população de coelho na Europa diminuiu 90% a 95% nos primeiros anos da mixomatose.

Embora existam referências a uma terceira doença actualmente em progressão nas populações de coelho, a verdade é que entre o fim dos anos 80 e os meados dos anos 90, as populações de coelho adaptaram-se a estas doenças e têm vindo a recuperar visivelmente. A boa notícia é que à recuperação das populações de coelho se associa a recuperação de muitas outras espécies que dependem, em maior ou menor grau, da disponibilidade de coelho, como a águia imperial ou o lince. É assim que a população de lince tem vindo a recuperar, a taxas de crescimento anuais por volta dos 10%, vai para dez anos, tendo já mais que triplicado a população que existia no ponto mais extremo da retracção.

É inevitável que o lince deixe de ser considerado uma espécie “criticamente em perigo”, o grau de ameaça mais próximo da extinção, para ser considerada uma  espécie “em perigo”, como tem vindo a ser discutido na União Internacional para a Conservação da Natureza. Na verdade, esse passo de reconhecimento de que a espécie está hoje num perigo menor (eu diria, muito menor) de extinção do que há dez anos só ainda não foi dado porque os conservacionistas realmente não gostam de boas notícias. Acham-nas perigosas porque podem conduzir à redução dos recursos disponíveis para a conservação. Com alguma razão. Mas não toda, diriam as espécies mais ameaçadas, para as quais faltam os recursos de conservação que estão a ser dirigidos para outro lado.

 

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