O óleo desapareceu depois do fim da garantia

Quase um século depois, continuamos a cair nesse genial logro, que nos faz comprar antecipadamente algo de que ainda não necessitamos.

Da primeira vez que se acendeu a luz do óleo, pensei que era mal contacto da lâmpada. Ligava e desligava nas rotundas, indicando um possível fio claudicante em duelo com a força centrífuga. Mas quando deixou de se apagar nas rectas, ficou claro que o carro estava mesmo doente.

O mecânico, após sondar os intestinos da viatura com aquela longa vareta prospectiva, apresentou o diagnóstico: “Está sem óleo”. Como não havia nenhuma fuga ou anomalia visível, prescreveram-se exames complementares. A cada três mil quilómetros, seria necessário medir o nível do lubrificante, para determinar o ritmo exacto do seu abaixamento.

Foram meses nisso. Eu levava o carro à oficina, o mecânico completava o óleo com uma mangueira dotada de um medidor. Da primeira vez, franziu a testa e levantou um sobrolho. “Um litro e meio…”, murmurou, grave . E, de litro em litro, foi-se formando o quadro clínico.

“É dos segmentos”, avaliou o mecânico, à quarta medição. “Está na hora de vender este carro”, sugeriu.

“Alto lá”, pensei eu. Estávamos numa oficina autorizada. E aquele funcionário constituía, de certa forma, uma representação humana da marca. No fundo, era o próprio fabricante a insinuar que o automóvel, passada meia dúzia de anos, afinal já era uma lata velha a despachar na primeira oportunidade.

Em estranha coincidência, os sintomas surgiram menos de um ano depois do fim da garantia. Ou engano-me redondamente, ou estamos perante um exemplar caso de “obsolescência programada” – ou seja, a decadência precoce de um produto, de modo a estimular a venda de um novo.

Foi na própria indústria automobilística que surgiu a moda. Na década de 1920, com o mercado de carros à beira da saturação nos Estados Unidos, a General Motors passou a introduzir pequenas alterações nos novos modelos em cada ano, fazendo com que os anteriores parecessem ultrapassados. Em poucos anos, já tinha destronado a Ford em vendas.

Quase um século depois, continuamos a cair nesse genial logro, que nos faz comprar antecipadamente algo de que ainda não necessitamos. Basta olhar para os ubíquos smartphones. Surgem no mercado com pequenas modificações incrementais, em geral dispensáveis e não raro inúteis, mas que geram no consumidor um profundo desconforto psíquico, sanável apenas quando o coitado cede e vai à loja adquirir o modelo mais recente.

A obsolescência igualmente se dá por falência funcional prematura. Também nos anos 1920 – é a década de Al Capone, convém lembrar – um cartel mundial de fabricantes acordou entre si um limite à duração das lâmpadas, que caiu de 2500 para 1000 horas. Depois fundiam. Sob tal estratagema, o mercado das lâmpadas nunca foi tão florescente.  É o desenvolvimento insustentável no seu melhor.

É nesta segunda categoria, a dos produtos com prazo de validade secreto, que aparentemente se encaixa o meu carro. São tantos os relatos semelhantes de consumo de óleo, que nada indica o contrário.

Se há conserto? Sim, mas implica abrir o motor e custa metade do que vale a viatura. Barafustei com o stand que, generoso, ofereceu-me 15% de desconto no arranjo – margem que certamente já estava acomodada no orçamento original, como gordura eliminável para agradar o cliente.

Ficou tudo na mesma. Agora, a cada mil quilómetros despejo quase um litro de óleo lá para dentro. Por um lado, anulou-se o efeito de ter comprado um carro eficiente, com baixas emissões de CO2. Mas por outro passei a usá-lo com menos frequência. No final, se calhar o saldo ambiental é positivo. Ao fabricante, obrigado. 

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