O mito dos incendiários

Ou os incendiários são verdadeiros especialistas em meteorologia, ou a conversa dos incendiários só desvia a atenção do essencial.

Conheço bastante gente conhecedora, bem-intencionada e estudiosa que fala dos incendiários como um grande problema de gestão do fogo em Portugal.

E, no entanto, não existe a menor base empírica para a ideia de que o fundamental é reduzir o número de ignições, sejam elas intencionais, sejam elas fruto de negligência.

É natural que os jornalistas, depois de ouvirem tanta gente responsável e conhecedora falar do grande problema dos incendiários, incluindo instituições, como a Polícia Judiciária, que dedicam ao assunto tantos recursos, se convençam mesmo de que existe um problema sério de gestão do fogo associado ao incendiarismo. E que escrevam isso.

Simplesmente não é o facto de haver muita gente a dizer isto, e estar escrito em todos os jornais, que faz com que uma ideia errada deixe de ser errada. Não estou a dizer que não existam incendiários, claro que existem, e podem ser, localmente e por períodos curtos, responsáveis por um surto de pequenos incêndios frequentes numa aldeia.

Estes incendiários – o tolo ou bêbado da aldeia, o vizinho anti-social, o pastor que se revolta por lhe negarem o pasto aos animais, o homem que acha que o vizinho o engana com a mulher, o bombeiro pirómano, o que gosta de ver helicópteros ou aviões – são muito pouco importantes na discussão sobre as melhores soluções de gestão do fogo.

Vale a pena lembrar que 1% das ignições do ano de 2003 – cerca de 400 mil hectares ardidos – foram responsáveis por 90% da área ardida. No Arizona, em 2011, uma única ignição foi responsável por 218 mil hectares ardidos.

Não existe qualquer relação entre número de fogos, associados à maior densidade populacional, e percentagem de área ardida, associada ao despovoamento e ao abandono agrícola das regiões centro e norte do país.

A ideia simples e, neste caso assaz simplista, de que sem uma ignição inicial não há progressão do fogo é responsável pela persistência do mito dos incendiários como origem dos problemas que Portugal tem na gestão do fogo.

A meteorologia explica pelo menos dois terços da área ardida. Em média, cerca de 12 dias no ano concentram 80% da área ardida.

Ou os incendiários são verdadeiros especialistas em meteorologia, e se concentram nas regiões e dias que em cada ano mais ardem, ou a conversa dos incendiários só desvia a atenção do essencial.

E o essencial é que desde que exista combustível em quantidade e com continuidade, discutir se há muitas ou poucas ignições é mais ou menos indiferente, tal como se deixarmos os bicos do fogão abertos a libertar gás, é inútil discutir se vai haver uma ignição ou 1000 até à explosão, inevitável, decorrente da acumulação de combustível.

O que vale a pena discutir é como diminuímos o combustível disponível e quebramos a sua continuidade.

Para já, poderíamos começar por deixar de combater os fogos de Inverno e Primavera, cujo combate só serve para gastar dinheiro e facilitar a acumulação de combustível que irá arder, depois, em condições meteorológicas muito piores.

 

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