O desenvolvimento sustentável é chato

Se há coisa que está a falhar no inexorável desígnio da sustentabilidade é o próprio termo desenvolvimento sustentável.

O homem estava de costas para mim, dando uns retoques à sua obra. E eu num cadeirão clínico reclinável, como aqueles que nos põem à mercê do dentista e dos seus utensílios sinistros. Entabulou-se uma conversa mole para encher o resto da sala.

- Então, o que faz?

- Sou jornalista – disse.

- Ah… – ele respondeu e calou-se, não sei se por desconfiança ou desinteresse. A primeira causa é compreensível, embora irritante. A suspeita é uma resposta clássica de quem subitamente se vê à frente de um profissional da imprensa – um ser perigoso, capaz de arruinar a vida de qualquer um com meia dúzia de vocábulos.

Que o diga uma antiga vizinha. Da primeira vez que lhe comuniquei o meu ofício, reagiu assustada, dizendo “oh, tenho de ter cuidado” e recuando paulatinamente para dentro de casa, em marcha-atrás, como quem se afasta de um cão raivoso. Nunca mais falou comigo.

O artesão na sua bancada afinal era mais curioso.

- E escreve sobre o quê? – perguntou-me, concentrado no que fazia.

- Sobre ambiente – respondi.

- Interessante. Tem então muito sobre o que falar.

Foi aí que cometi o erro de aludir ao que me ocupava naquele momento.

- Estou agora a preparar um trabalho sobre os objectivos de desenvolvimento sustentável.

Precipitou-se um silêncio cósmico. Não houve qualquer reacção da parte dele. Nem um comentário, um murmúrio, um movimento. Nada. Continuou na sua lide, impassível, pintando um olho de acrílico destinado a disfarçar os males que um maldito saco de plástico infligiu-me à vista. Percebi que aquela frase não activara qualquer função sensorial em seu cérebro. Entrou por uma ponta da massa encefálica e saiu por outra, inconsequente.

Não o culpo. Se há coisa que está a falhar no inexorável desígnio da sustentabilidade é o próprio termo desenvolvimento sustentável. O conceito é genial e a sua importância, extrema e urgente. O nome, todavia, merece lugar de honra no índex do marketing falhado. Pronuncia-se em todo o lado, mas não cola.

São 27 caracteres soporíferos, cuja leitura acomoda sem dificuldade dois bocejos e um telefonema. É um anticlímax num título jornalístico: qualquer um vira a página antes de concluir se desenvolvimento sustentável é o sujeito ou parte do predicado.

No mesmo espaço cabem manchetes mais nutritivas, como “Impostos sobem mais uma vez”, um clássico em qualquer governo, “Calor enche praias do país”, uma mera dedução lógica, ou o esporádico “Festa termina em pancadaria” – que venderia ainda melhor se fosse “Pancadaria termina em festa”.

Nos corredores das Nações Unidas a expressão criou raízes profundas e agora temos os “objectivos do desenvolvimento sustentável”, um pertinente roteiro para um mundo perfeito até 2030, mas com uma designação que não diz nada à maior parte dos sete mil milhões de nós. Por cá, optou-se por um substituto mais digesto, o “crescimento verde” – que tanto pode significar uma economia amiga do ambiente, como a acumulação de musgo em partes húmidas do tecido socioeconómico.

– E o Obama? O que acha dele? – perguntou repentinamente o fazedor de olhos, despertando do sono mental em que eu o induzira. E eis que a política norte-americana nos salvou, socialmente falando.

Ainda pensei em reintroduzir o desenvolvimento sustentável pela porta dos fundos, a do lixo. Estive quase a perguntar se a prótese, uma vez expirada a sua validade, deveria ser depositada no ecoponto verde ou no amarelo. Foi por pouco, mas em tempo abortei o disparate.

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