Na nova Lei de Bases do Ambiente já não há o verbo proibir

Novo diploma orientador da política ambiental do país entrou em vigor sem grande furor e com algumas críticas.

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Na nova lei, há menos referências à poluição mas surgem pela primeira vez as alteraçoes climáticas Adriano Miranda

Há três décadas, Portugal estava preocupado sobretudo com a poluição, com o ordenamento do território, com a natureza e com atitudes danosas que era urgente proibir. Agora, estamos no tempo das alterações climáticas, da sustentabilidade, das políticas transversais e da fiscalidade verde. Está tudo na nova Lei de Bases do Ambiente, que entrou em vigor há uma semana, sem furor e sem mudar praticamente nada no dia-a-dia imediato do país.

Aprovada no Parlamento em Fevereiro, a lei foi publicada dia 11, segunda-feira, substituindo um pioneiro diploma de 1987. É um texto mais curto, com menos da metade dos artigos, e mais genérico do que o de há 27 anos. E traz sobretudo conceitos e quase nenhuma norma.

“A lei não está má, mas não serve para nada. Não prevê os instrumentos para a sua aplicação”, afirma Eugénio Sequeira, da Liga para a Protecção da Natureza e membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS).

É esta a principal diferença entre as duas leis. A de 1987 identificava, com precisão, os instrumentos que o país devia ter para orientar a sua política de ambiente. Por exemplo, deveria haver uma estratégia nacional de conservação da natureza, um plano nacional de ambiente, a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional, os planos regionais de ordenamento do território, um sistema nacional de vigilância e monitorização, um inventário dos recursos naturais, uma cartografia ambiental.

A Lei de Bases do Ambiente de 1987 previa ainda a sua regulamentação através de diplomas a aprovar no prazo de um ano – que não foi cumprido na esmagadora maioria dos casos.

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A nova lei prevê uma parte de tudo isto, mas de forma mais genérica, sem apontar concretamente para o plano A ou a estratégia B. E não fixa prazo nenhum para a sua regulamentação, dizendo apenas que “a política de ambiente deve estabelecer legislação específica para cada um dos componentes identificados” na lei.

“Temos de distinguir os momentos históricos das duas leis”, justifica o secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos. Em 1987, Portugal não tinha praticamente legislação ambiental. Acabara de aderir à Comunidade Económica Europeia e tinha negociado adiamentos para transpor as poucas directivas ambientais que existiam.

“Estávamos numa situação de vazio legal total”, corrobora o ex-secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta, um dos principais impulsionadores da primeira Lei de Bases do Ambiente.

A lei original procurou em parte para colmatar este vazio. Determinou, por exemplo, os contornos da rede nacional de áreas protegidas, concebeu os estudos de impacte ambiental e definiu as linhas gerais dos licenciamentos de actividades poluidoras. E estabeleceu uma série de proibições.

Na nova Lei de Bases do Ambiente, o verbo proibir não aparece uma única vez. Referências muito frequentes na lei anterior – como à poluição ou à conservação da natureza – são escassas no novo diploma. E a questão do ordenamento do território, mencionada 19 vezes na lei anterior, deixou de ser central no novo diploma.

Em compensação, a lei de agora toca em conceitos, problemas e instrumentos actuais que não tinham a mesma importância em 1987, como as alterações climáticas, a sustentabilidade, a fiscalidade verde, a pegada ecológica ou os serviços dos ecossistemas. Há também princípios recentes, que já existem na legislação ambiental mas não estavam na lei de bases, como o do poluidor-pagador, do utilizador-pagador ou o da precaução.

“Era essencial fazer uma revisão [da lei de 1987], mas devia ter sido mais ambiciosa”, lamenta Nuno Sequeira, presidente da associação ambientalista Quercus. “Devia ter havido uma intervenção mais abrangente da sociedade. Não houve uma consulta pública”, completa.

O secretário de Estado Paulo Lemos contra-argumenta que não só o Governo baseou-se no trabalho de uma comissão de onze especialistas, como a sua proposta foi largamente discutida nas audições da Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local. “A Assembleia da República ouviu mais de 70 pessoas”, diz.

Apesar das promessas de uma lei “interpartidária”, não foi o que aconteceu. A proposta do Governo suplantou a de todos os grupos parlamentares da oposição, que já tinham avançado antes com projectos de lei. Eram todas mais pormenorizadas, com 49 a 58 artigos. A lei aprovada tem 24.

Paulo Lemos diz que a maior parte das sugestões dos demais partidos foi incorporada na versão final.  Uma delas é a obrigatoriedade – já existente desde 1987 mas que tinha sido eliminada na proposta original – de o Governo apresentar periodicamente um relatório e um livro branco sobre o estado do ambiente.

Mas não foi suficiente e a oposição não se revê no resultado. “A Lei de Bases do Ambiente tem a cara desta maioria [parlamentar]. É uma lei para colar na parede. Não puxa pelas políticas de ambiente”, diz Heloísa Apolónia, deputada do Partido Ecologista “Os Verdes”. “Foram ouvidas diversas personalidades, mas ignoraram-se as críticas de que era uma lei generalista”, completa.

O PS fala numa lei “neo-liberal”, que “permite tudo e o seu contrário”, segundo uma intervenção do deputado Pedro Farmhouse no Parlamento.

No final, toda a oposição votou contra a lei, que acabou por passar só com os votos da maioria PSD/CDS-PP. Em 1987, a esmagadora maioria dos deputados, salvo os do CDS e um independente, votou a favor, num momento de alta conflitualidade no Parlamento, pouco tempo antes da moção de censura que derrubaria o primeiro Governo de Cavaco Silva (1985-87).

Com a vasta legislação ambiental que existe agora, contrariamente à situação de 1987, uma Lei de Bases de Ambiente tem pouca força para grandes transformações. “Esta lei não se limita a consagrar o que já existe. Há aqui ideias inovadoras e onde há muito a fazer”, afirma porém Paulo Lemos. “É um texto moderno, que não envergonha o país”, completa.

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