Investigador pede novo censo dos lobos para perceber evolução da espécie

Francisco Álvares, da Universidade do Porto, lembra que não há dados que comprovem que ataques se devam a aumento do número de lobos no país.

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No PNPG, como noutros habitats do lobo, tem havido muitas queixas de ataques a gado Paulo Pimenta

O investigador da Universidade do Porto Francisco Álvares admitiu a possibilidade de o lobo ibérico deixar de ser uma espécie protegida por lei, mas apenas se um novo censo concluir que já não está em vias de extinção.

"Tem de ser feita uma nova avaliação, para ver se a espécie está a aumentar a ponto de eventualmente poder deixar de ser protegida por lei", referiu Francisco Álvares no final de uma sessão realizada na noite de terça-feira em Terras de Bouro, promovida pela Associação de Compartes de Campo do Gerês e pelo município para procurar soluções que possam diminuir a conflitualidade resultante dos danos provocados pelos lobos.

Segundo aquele investigador, um estudo de 2002 apontava para a existência em Portugal de cerca de 300 lobos, distribuídos por 62 alcateias. Os cerca de 200 criadores de gado presentes na sessão afirmaram que os lobos "são cada vez mais", mas Francisco Álvares contrapôs que não há qualquer dado científico que o comprove.

O investigador assinalou ainda que, apesar de se tratar de uma espécie protegida, se regista em Portugal uma "elevada" mortalidade de lobos por causa humana, nomeadamente a tiro, com veneno, com laços ou atropelamento. "Em 2014, só no Alto Minho, foram registadas cinco mortes", referiu.

Estando protegidos por lei, os lobos não podem ser abatidos, mas os proprietários do gado têm direito a uma indemnização do Estado por cada animal atacado. "Se deixar de ser protegido por lei, provavelmente também deixará de haver indemnizações", acrescentou Francisco Álvares.

Para este investigador, e em linha com o que tem sido defendido pelas autoridades da área da conservação da natureza, a melhor solução para evitar os ataques dos lobos passa por uma maior protecção dos rebanhos, nomeadamente com a utilização de cães e com a presença contínua de um pastor.

"Aqui ainda há muita tradição do pastoreio livre, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Bragança, onde cada rebanho é muito protegido e onde o pastor dorme com o rebanho durante a noite. Ali não há registos de conflitos resultantes dos ataques dos lobos", disse ainda.

Na sessão, participou ainda a investigadora Sílvia Ribeiro, ligada ao Grupo Lobo, que deu conta de que esta associação ambientalista já ofereceu mais de 4000 cães de várias raças para que os pastores os possam usar na defesa dos seus rebanhos, evitando assim ataques e conflitos com os lobos. Sílvia Ribeiro acabou por abandonar a sessão, agastada com as palavras, que considerou "insultuosas", que os criadores de gado lhe dirigiram.

Por cada 50 cabeças de gado, os pastores têm de ter um cão, sob pena de ficarem sem direito a qualquer indemnização em caso de ataque dos lobos. "Quanto custa manter um cão? Quanto custa um seguro? E como se consegue um seguro? É tudo muito bonito, virem para aqui com 'historinhas' de lobos, mas no final quem se lixa somos sempre nós", referiu um criador de gado.

Os criadores de gado de Terras de Bouro manifestam-se revoltados com os "constantes" ataques dos lobos aos seus rebanhos e ameaçam "fazer sangue" se o problema não for resolvido em tempo útil.
"O povo está revoltado e mais hora menos hora vai fazer sangue. Resolvam o problema enquanto é tempo", alertou Carlos Fernando durante esta inflamada sessão.

Os criadores de gado queixaram-se que os ataques dos lobos são cada vez mais frequentes e que passam "uma carga de trabalhos" para receberem as indemnizações previstas na lei pelo abate de cada animal. Lembrando que há muita gente que tem na criação de gado a fonte de sustento da família, António Oliveira, um pequeno agricultor, afirmou que "mais de 80 por cento dos prejuízos não são pagos".

O lobo é uma espécie protegida por lei, por estar em vias de extinção, e, como tal, não pode ser abatida. A lei prevê indemnizações pelo gado abatido pelo lobo, mas os proprietários têm de fazer prova desses ataques, nomeadamente apresentando o que restou de cada animal atacado.

As indemnizações devem ser pagas num prazo de 60 dias. "O problema é que, muitas vezes, os criadores não conseguem encontrar o rasto dos animais abatidos", contrapõe Adelino Vieira, confessando que já lhe desapareceram mais de 200 cabras, pelas quais não recebeu "um único tostão".

Além disso, e como admitiu Carlos Pinto, representante do Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) na sessão, as indemnizações não são pagas nos prazos previstos na lei. "Neste momento, estão pagos os prejuízos registados até agosto de 2014", informou.

De acordo com os números avançados por este responsável, em cada um dos últimos três anos as queixas por ataques de lobos no concelho de Terras de Bouro têm-se mantido estáveis, na casa das duas centenas. O número de processos recusados é que sofreu uma evolução, passando de 9 em 2012 para 21 em 2013 e para 36 em 2014.

Uma subida que Carlos Pinto justificou com o facto de, a partir de finais de agosto de 2013, a lei ter passado a prever que o abate de cavalos só seria indemnizado mediante a apresentação do respetivo chip. "É tudo e mais alguma coisa para proteger os lobos e tudo e mais alguma coisa para nos tramar a vida", desabafou Carlos Pires, queixando-se de que os lobos lhe estão "a entrar pela casa dentro" e deixando a pergunta: "quem defende os serranos?".

A construção de cercas para os lobos, a realização de batidas ou a instalação de armadilhas foram algumas das muitas hipóteses levantadas pelos criadores de gado, que deixaram claro que não estão dispostos a aguentar a situação por muito mais tempo. "Sem os lobos vivemos, mas sem os nossos animais não", atirou um agricultor, em jeito de aviso.

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