Há orquídeas silvestres nos nossos campos

Observar e conhecer as orquídeas silvestres e de um modo geral a magnífica biodiversidade do nosso país é um prazer único e progressivamente gratificante, e contribui para as proteger.

Num dos últimos fins-de-semana, participei numa saída de campo da Associação de Orquídeas Silvestres – Portugal (AOSP) na serra de Sicó. O objectivo principal era encontrar e observar exemplares de Ophrys pintoi, uma espécie rara descoberta recentemente e cuja descrição foi pela primeira vez publicada numa revista científica especializada em orquídeas europeias em 2012. Foi um passeio magnífico por montes e vales durante todo o dia, com uma pausa para um bom almoço.

Além da Ophrys pintoi, uma versão diminuta da Ophrys fusca, ou moscardo-fusco, vimos mais quatro espécies de orquídeas silvestres. Foi um dia bem passado em que esqueci momentaneamente a crise, o declínio do mundo ocidental, especialmente o da Europa, e a transição, provavelmente forçada, para um modelo de desenvolvimento mais sustentável.

As orquídeas constituem a família mais notável das angiospérmicas, as plantas com flores e frutos que contêm sementes. Não se sabe ao certo o número total de espécies, que deverá estar entre 27 mil e 30 mil, agrupadas em mais de 800 géneros. Encontram-se em todo o mundo, excepto nos desertos e glaciares, mas o número de espécies aumenta à medida que nos aproximamos dos trópicos e sobretudo nas montanhas dessas regiões. Equador, Peru, Brasil, Colômbia e Papua-Nova Guiné são alguns dos países mais ricos em orquídeas. É aí que encontramos as epifíticas que vivem sobre as árvores sem as parasitarem.

Nas nossas regiões temperadas, também há orquídeas, embora as flores não atinjam a dimensão de algumas das espécies tropicais. A variedade da forma, das cores e dos perfumes das flores é admirável. Todas têm simetria bilateral e três pétalas, uma delas, em geral mais desenvolvida, chamada labelo, é onde aterram os insectos polinizadores.

Qual a razão de tanta diversidade, tanta variedade de formas, cores e perfumes espectaculares e surpreendentes? As orquídeas têm exercido um fascínio extraordinário desde há mais de 2300 anos. Os primeiros registos históricos do interesse pelas orquídeas encontram-se num texto de um poeta chinês datado de 339 a.C. e no livro História das Plantas de Teofrasto (372-287 a.C.). Cultivam-se mais de 10 mil espécies e híbridos, incluindo as conhecidas Falenópsis, Catléias, Oncidium e Cimbídium, que temos em nossas casas.   

Mas o mais notável nas orquídeas é terem-nos ensinado a descobrir como evoluíram as espécies por meio da selecção natural e sobretudo como algumas co-evoluíram em interacção com os animais. Charles Darwin aprendeu muito a observar a reprodução das orquídeas silvestres do seu país num local que ele chamava “Orchid Bank”, próximo da vila de Downe onde vivia.

Três anos depois de sair o seu célebre livro Sobre a Origem das Espécies, publicou em 1862 outro, intitulado Sobre as Diversas Estratégias pelas quais as Orquídeas Britânicas e Estrangeiras São Fertilizadas pelos Insectos, e sobre os Bons Efeitos da Polinização Cruzada, traduzido para espanhol em 2007, mas creio que ainda não para português. É um livro delicioso em que Darwin descreve com pormenor as suas observações de campo sobre a polinização pelos insectos das orquídeas silvestres do seu país, parte das quais existem também em Portugal.

O seu objectivo era mostrar as vantagens para a evolução da polinização cruzada, em que um insecto é atraído para uma flor e acaba transportando as suas massas polínicas, cujos grãos de pólen vão fertilizar os óvulos de outra flor. A planta desenvolveu ao longo de milhões de anos morfologias que permitem estratégias surpreendentes para atrair determinadas espécies de insectos, por exemplo, vespas, abelhas, moscas ou borboletas diurnas e nocturnas. São estas estratégias, por vezes desenhadas especificamente para um determinado insecto, que explicam em grande parte a extraordinária variedade das formas, cores e perfumes das orquídeas. O insecto é atraído oferecendo-lhe alimento ou seduzindo-o sexualmente sem nada lhe dar, e por vezes prendendo-o fugazmente. O objectivo é sempre fecundar a flor.

Quase todas as espécies mediterrâneas de Ophrys usam a estratégia do embuste sexual para serem polinizadas por vespas ou abelhas. É o caso da Ophrys speculum, ou erva-abelha, que floresce em Março e Abril nos nossos campos. O labelo tem uma estrutura complexa com o centro azulado, glabro e com reflexos metálicos, rodeado de uma pilosidade avermelhada. Trata-se de uma imitação do corpo da fêmea da vespa Daryscolia ciliata, cujo macho, atraído pela flor, aterra no labelo na ânsia de copular a cópia da fêmea. Ao bater na base das massas polínicas, estas agarram-se à cabeça do insecto que as transporta para nova cópula frustrada em outra flor. Nesta, os grãos de pólen agarram-se a uma superfície viscosa do órgão feminino da planta que fica fertilizada.

Para além da armadilha visual, a orquídea produz ainda substâncias químicas aromáticas semelhantes às feromonas que são produzidas pelas fêmeas para atrair os machos. Pobre vespa que há centenas de milhares de anos é vítima de uma fraude sexual! Imagine-se a selecção natural que permitiu chegar a esta complexidade.

Sugiro que nesta Primavera procure orquídeas silvestres em Portugal. Encontra-as predominantemente em prados calcários, charnecas e clareiras de pinhais. Temos cerca de 70 espécies, incluindo os híbridos e as variantes morfológicas, algumas endémicas nos Açores e Madeira, o que nos torna um país relativamente rico em orquídeas.

Há muita informação sobre elas na Net e em especial no site da AOSP. Atenção, sugiro também, que ao encontrar orquídeas, as observe bem, tente classificá-las, tire-lhe fotografias para as recordar, mas por favor não as apanhe! Pode tentar polinizá-las, ou seja, faça amor com orquídeas! Mas não as arranque do chão, deixe-as vivas e a florir. São plantas pouco abundantes ou raras, algumas em perigo de extinção, como, por exemplo, a Serapias atlântica, que só existe em algumas ilhas dos Açores e em mais nenhum sítio do mundo. Se se extinguir, e esperemos que isso não aconteça, é para sempre.

Observar e conhecer as orquídeas silvestres e de um modo geral a magnífica biodiversidade do nosso país, de toda a Península Ibérica, da região Mediterrânea e da Macaronésia, e de outras regiões do mundo, é um prazer único e progressivamente gratificante. Conhecer e saber apreciar a nossa flora e fauna contribui para as proteger.

É ainda uma oportunidade para reflectir sobre a relação entre o ambiente e os organismos vivos. Se quebrarmos essa relação por meio de crescentes alterações no uso dos solos e da degradação e destruição de ecossistemas e habitats ricos em biodiversidade, colocamos em risco a sobrevivência de algumas espécies.

E, quanto a nós, quais as consequências de quebrarmos a nossa relação com o ambiente? Numa nota mais positiva irei tentar encontrar uma orquídea muito rara em Portugal e que nunca vi, a Orchis collina, lá para os confins do Alentejo num dos próximos fins-de-semana.

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