Há 3600 edifícios em risco de cheias em zonas críticas do país

Seguradoras pagaram 320 milhões de euros em indemnizações em grandes tempestades nos últimos oito anos.

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Zona do Porto e Gaia, uma das mais problemáticas, foi analisada em detalhe pelo estudo Paulo Ricca

Há pelo menos 3601 edifícios expostos aos danos de inundações em zonas problemáticas de Lisboa, Porto, Coimbra e Oeiras. E as seguradoras poderão agora saber, com precisão, qual o risco concreto a que está sujeita cada uma destas construções, individualmente.

Os números são resultados de um projecto da Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, financiado pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS), que fez a primeira cartografia completa do risco de cheias em todo o país – hoje e até ao fim do século.

Foram três anos de trabalho, que envolveu cruzar dados sobre a precipitação, as cheias, a localização dos edifícios. Modelos de hidrodinâmica traçaram o comportamento teórico de inundações com vários níveis de gravidade. E modelos climáticos traçaram cenários sobre o que se pode antever para o futuro.

Combinando tudo, os investigadores construíram diversos índices relacionados com o risco de cheias e, a partir deles, mapas – daí o nome do projecto: Cartas de Inundação e Risco em Cenários de Alterações Climáticas (Cirac).

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Em números grandes, cerca de 2% do território de Portugal continental são de alta ou muito alta vulnerabilidade. Na prática, são 1780 quilómetros quadrados, uma área que quase equivale à do concelho de  Odemira, o maior do país.

Outros 14% (12.500 quilómetros quadrados) são áreas de vulnerabilidade moderada. Aí estão, por exemplo, as bacias espraiadas de grandes rios, como o Tejo, o Mondego ou o Vouga, o centro do Alentejo, parte do Algarve e zonas ao redor de algumas cidades, como Setúbal, Viana do Castelo, Bragança, Vila Real e Castelo Branco.

O resto do território tem baixa vulnerabilidade, sobretudo o litoral e sul do Alentejo, as serras algarvias e a maior parte da região Centro e Norte interior.

O estudo analisou a fundo algumas zonas urbanas tradicionalmente afectadas por inundações – sobretudo por cheias rápidas, que resultam de chuva forte concentrada em pouco tempo. E concluiu que embora Coimbra seja a cidade com mais edifícios expostos às cheias (1278), é na zona de Algés, em Oeiras, que os risco são maiores – segundo um indicador que combina a altura das ondas de cheia com outros parâmetros, para calcular a probabilidade de danos nos edifícios.

Foram os prejuízos da cheias, ou dos eventos meteorológicos em geral, que motivaram a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) a financiar o estudo. “Estamos a sentir que a frequência e o volume de danos pessoais e patrimoniais tem aumentado”, afirma o presidente da APS, Pedro Seixas Vale.

Entre 2006 e 2014, houve oito eventos meteorológicos graves – um por ano – que resultaram em 320 milhões de euros em indemnizações a 65 mil segurados. A maior parte reparte-se entre duas situações em particular. Uma delas foi a tempestade Gong, de 19 de Janeiro de 2013, que varreu o país com ventos de até 140 quilómetros por hora. Só aí, houve 48 mil segurados a accionarem as suas apólices de seguro, somando 100 milhões de euros em indemnizações.

A outra situação crítica foi a do temporal de 20 de Fevereiro de 2010 na Madeira, que levou torrentes de água, lama e pedras das encostas montanhosas para o Funchal e outras cidades, deixando um saldo de 47 mortes, centenas de desalojados e um enorme rasto de destruição. Apesar de apenas 2300 segurados terem reclamado indemnizações, o valor total chegou aos 141 milhões de euros.

O que as seguradoras pretendem com o estudo é obter um quadro científico actualizado para poder programar melhor as apólices. “Queremos fazer uma cobertura adequada, a um preço correcto”, disse o presidente da APS, na apresentação do trabalho esta terça-feira, em Lisboa. Pedro Seixas Vale diz que o objectivo não é aumentar o valor dos seguros, mesmo porque o custo poderá em muitos pontos do país. Segundo a APS, 60% das habitações em Portugal não têm um seguro que cubra o risco de inundações.

Financiar um estudo desta natureza não é novidade. A APS já o fez para o risco de sismos – o pior desastre natural possível para as seguradoras em Portugal. E análises de risco às cheias já existiam, mas já não estavam adequadas para o que tem vindo a acontecer.

A preocupação é maior em função das alterações climáticas, que farão de Portugal um país mais quente, possivelmente com mais chuva no Norte e menos no Sul, ao longo deste século. É um dado que não poderia deixar de ser tido em conta. "Estamos a avaliar cheias com períodos de retorno de 100 anos, por isso temos de considerar as alterações climáticas”, disse Filipe Duarte Santos, coordenador do grupo de investigação Impactos, Adaptação e Modelação em Alterações Climáticas, da Universidade de Lisboa, responsável pelo estudo.

Os sinais para o futuro são, no entanto, ainda muito incertos. Apenas dois cenários foram analisados, com base num único modelo de simulação climática. Em Lisboa, por exemplo, o risco de cheias no final deste século desagrava num dos cenários mas piora no outro. Já em Coimbra, na Baixa a situação é semelhante à de Lisboa, mas na zona sul da cidade o sinal é de agravamento nos dois cenários, no longo prazo.

O investigador Pedro Garrett, coordenador do projecto, explica que há maior incerteza quanto à precipitação no futuro, do que quanto à temperatura. E acrescenta que o objectivo, agora, é prosseguir o trabalho, incorporando dados de mais modelos climáticos, de modo a ter uma melhor ideia dos níveis de incerteza e afinar os resultados de um trabalho que é apresentado como pioneiro em Portugal. “Foi tudo feito pela primeira vez”, diz.

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