A matemática da sustentabilidade

Todos osestudos convergem no diagnóstico do que é necessário fazer para atingir a sustentabilidade do desenvolvimento, embora com focagens e enfâses diversas a nível sectorial e metodológico.

A matemática é a linguagem da ciência e das suas múltiplas aplicações. Foi nos séculos XVI a XVIII que os pioneiros da ciência moderna teimaram em acreditar numa natureza inteligível cujas leis fundamentais se podem exprimir na linguagem abstracta da matemática.

A partir dessa época a ciência e a tecnologia, por um lado, e a matemática e a matemática computacional, por outro lado, avançam em conjunto e fortalecem-se por meio de frutuosas interacções mútuas. Hoje em dia não há praticamente nenhum domínio da actividade humana que não beneficie do suporte indispensável das aplicações da matemática. As ciências sociais e humanas estão a recorrer progressivamente à estatística, à teoria das probabilidades, à teoria dos jogos, à matemática da optimização, aos sistemas dinâmicos e de um modo geral às equações diferenciais para simular o comportamento e a evolução dos sistemas socioeconómicos e socioecológicos.

Foi neste contexto que surgiu recentemente um artigo de investigadores das Universidades de Maryland e Minnesota, a ser publicado na revista Ecological Economics, em que se desenvolve um modelo matemático, HumAn and Nature DYnamical (Handy) Model, anteriormente utilizado pela NASA, para simular aspectos essenciais da evolução futura da humanidade.

O modelo incorpora a relação dinâmica entre a população e a exploração dos recursos naturais através do modelo presa-predador, construído de forma independente por Alfred Lotka e Vitto Volterra nos anos de 1925 e 1926. Esta ideia tinha sido já explorada com sucesso por J. A. Brander e M. S. Taylor em 1998 para explicar o aumento histórico e o declínio acentuado da população na ilha da Páscoa no Pacífico.

A novidade do novo estudo está em terem utilizado mais duas equações diferenciais para simularem aspectos socioeconómicos e políticos, ou seja, o facto de a acumulação da riqueza resultante da exploração de recursos naturais não estar distribuída uniformemente na sociedade e ser controlada por determinadas elites. Assim, uma sociedade pode estar menos estratificada, isto é, ser mais igualitária, ou estar mais estratificada e ser mais desigual.

As quatro equações diferenciais relativas às quatro variáveis independentes – elites, não- elites, recursos naturais e riqueza acumulada – permitem estudar a evolução da tensão ecológica e da estratificação social e analisar os casos em que o sistema evolui para a sustentabilidade ou para o colapso.

Apesar da sua simplicidade o modelo matemático é muito rico, pois permite estudar diferentes tipos de sociedades humanas com comportamentos e evoluções muito diversas. Uma conclusão importante destes estudos é mostrarem com grande clareza que se pode atingir a sustentabilidade, caso sejam satisfeitas simultaneamente duas condições: a taxa de utilização de recursos naturais não pode ultrapassar determinados limiares e a desigualdade na distribuição da riqueza, entre as elites e as não-elites, não pode ser superior a determinados valores. Note-se que a sustentabilidade pode ser atingida de forma relativamente suave ou por meio de grandes oscilações ou crises. Por outro lado, o colapso pode ser reversível ou irreversível.

Um dos aspectos mais curiosos deste estudo foi o seu impacto imediato nos media e nas redes sociais. Paira no ar a nível mundial uma leve mas persistente suspeita de que o caminho que globalmente estamos a trilhar não é sustentável. Perante o artigo salientou-se quase exclusivamente a eventualidade do colapso inevitável e não a da sustentabilidade. Alguns interpretaram erroneamente que a NASA subscrevia a aproximação de um colapso civilizacional, postura que seria verdadeiramente escandalosa por parte de uma instituição pública. Imediatamente a NASA emitiu um comunicado a desmentir, embora reconhecendo que apoiou a construção do modelo Handy.

Creio que o artigo vai originar uma nova fileira de investigação, porque permite fundamentar de forma cientificamente robusta as tentativas de prospectiva da enigmática evolução futura da sociedade humana globalizante, no contexto do actual paradigma do consumismo e de desigualdades sociais crescentes. No seu artigo os autores reconhecem algumas das limitações do modelo matemático utilizado e anunciam a intenção de as procurar ultrapassar. Há que distinguir no modelo entre recursos naturais renováveis e não renováveis, introduzir uma variável que simule a inovação tecnológica no que respeita ao acesso, eficiência de exploração e substituição de recursos, simular o efeito de políticas que modificam de forma ponderada e variável o consumo de recursos, os coeficiente de desigualdade social e de natalidade, e representar de forma acoplada as grandes regiões do mundo e as suas diferentes situações e políticas no que respeita ao consumo e comércio de commodities.

Contudo, é muito improvável que as principais mensagens do modelo mudem. Sem moderar à escala global o consumo de recursos naturais e diminuir as desigualdades sociais não é possível chegar a um equilíbrio de sustentabilidade para a sociedade humana. A vantagem do modelo matemático é procurar integrar de forma dinâmica todas as variáveis superando visões parciais que não integram essa dinâmica. O que se tem feito até agora é reunir os resultados de análises sectoriais que podem ser muito sofisticadas e procurar construir de forma não dinâmica uma visão da evolução do sistema global. Por esta via também se obtêm conclusões finais semelhantes do ponto de vista qualitativo.

Estes estudos provêm não só de grupos de investigadores académicos que se debruçam há já bastante tempo sobre estes temas, mas também de organizações nacionais e internacionais públicas e privadas. Todos estes estudos convergem no diagnóstico do que é necessário fazer para atingir a sustentabilidade do desenvolvimento, embora com focagens e enfâses diversas a nível sectorial e metodológico. O problema está em passar da teoria à prática e pôr em marcha um programa global de desenvolvimento sustentável. Será isto possível de realizar? Que sucederá se não for?

Um dos temas centrais da Conferência Rio+20 foi a economia verde, caracterizada por promover o bem-estar, combater as desigualdades sociais, reduzir os riscos ambientais e a escassez de recursos naturais. Recentemente os sectores mais ligados à indústria e à economia têm promovido o conceito mais restrito de “economia circular” centrado no aumento da eficiência no uso dos recursos e na reciclagem. A razão desta viragem resulta de haver uma forte tendência de aumento do preço das commodities provocada por crescentes dificuldades de exploração e alguma escassez, iniciada no começo deste século.

A preocupação é tal que, para animar, as grandes multinacionais afirmam que a escassez de recursos irá promover a terceira revolução industrial! Com o previsível aumento da população global até cerca de 9200 milhões em 2050, o crescimento anual da produtividade nos sectores das hard commodities (bens extraídos ou minerados), das soft commodities (bens produzidos pela agricultura), da água e da energia, terá de ser muito maior do que na actualidade, para satisfazer a procura dessa população crescente e, especialmente, de uma imensa classe média emergente nos países fora da OCDE.

A McKinsey estima no relatório Resource Revolution que haverá mais 3000 milhões de consumidores da classe média em 2030. O desafio para manter o actual modelo de consumo no sector das commodities é enorme, mas no sector da energia e das suas externalidades ambientais a problemática torna-se ainda mais complexa. À escala global cerca de 80% das fontes primárias de energia são combustíveis fósseis cuja combustão lança grandes quantidades de CO2 para a atmosfera. Para alterar esta situação seria necessário um entendimento a nível internacional, mas nenhum país quer ceder porque todos estão erroneamente convencidos de que perdem competitividade e a energia é o motor do actual paradigma de crescimento medido por meio do PIB.

Mundialmente os subsídios governamentais para os combustíveis fósseis aumentaram de 311 em 2009 para 544 mil milhões de dólares em 2012. Cerca de 100 mil milhões de dólares são subsídios directos aos produtores e o restante serve para baixar o preço de venda dos combustíveis aos consumidores, assegurando assim a “estabilidade política”, como acontece no Irão, Arábia Saudita, Rússia, Índia, China, Venezuela, entre outros países.

As energias renováveis modernas  representam apenas cerca de 5% das fontes primárias de energia e receberam em 2011 subsídios globais de 88 mil milhões de dólares. Elas são o caminho seguro para travar as alterações climáticas que a médio e longo prazo poderão pôr em risco a segurança alimentar (no sentido da disponibilidade de alimentos) em muitas regiões do mundo. A sustentabilidade – social, económica e ambiental – está ao nosso alcance, mas para a atingir é necessário que cada um de nós tenha informação e conhecimento sobre os grandes desafios globais, reflicta sobre eles e consequentemente mude o seu comportamento e acção.

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