A energia e o vício em combustíveis fósseis

O vício em combustíveis fósseis não é curável nos próximos anos porque os interesses de curto prazo são muito mais fortes do que as preocupações com uma alteração climática global cujos efeitos mais gravosos só irão manifestar-se nas próximas décadas.

Verdadeiramente essencial e imprescindível para o actual modelo de desenvolvimento é o consumo intensivo de energia. A energia move as pessoas e os bens, assegura a produção agrícola, disponibiliza a água, alimenta a indústria e mantém as cidades habitáveis.

A falta de energia abundante causaria uma regressão de séculos na qualidade de vida e poria em perigo muitas vidas humanas. Assegurar a exploração e acesso a fontes de energia barata são objectivos prioritários de todos os países.    

Consome-se anualmente no mundo cerca de 500 EJ (EJ = exajoule = um tilião de joules), o que corresponde a uma potência média de 15,8 TW (TW = terawatt = um bilião de watts) e a uma potência média per capita de 2200 W. Note-se que há diferenças brutais entre países: 24.000 W no Qatar, 10.000 W nos EUA, 1500 W na China e 214 W no Bangladesh. Porém, em quase todos os países, o consumo total e o consumo per capita de energia estão a aumentar. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), de 1990 a 2008, o consumo global per capita de energia aumentou 10% e o global 39%.

De onde vem toda esta energia? A resposta é muito simples; vem sobretudo dos combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – que no seu conjunto representam cerca de 80% das fontes primárias de energia. Esta percentagem mantém-se praticamente constante desde há mais de meio século e as projecções futuras da AIE indicam que continuará assim por mais duas ou três décadas, pelo menos.

A humanidade viciou-se em combustíveis fósseis. O problema deste vício é uma verdade inconveniente para o nosso paradigma energético. A combustão dos combustíveis fósseis emite para a atmosfera dióxido de carbono (CO2) que intensifica o efeito de estufa natural na atmosfera, provocando alterações climáticas. Apesar de constituírem um recurso natural não renovável, nas escalas de tempo que nos interessam, as reservas existentes são enormes.

Nos EUA está em curso uma revolução energética baseada na exploração de petróleo e gás natural não convencionais que os irá tornar num dos maiores produtores mundiais desses combustíveis. O petróleo não convencional está a ser extraído de areias betuminosas no Canadá e de xistos argilosos nos EUA e o gás natural não convencional de xistos nos EUA através da tecnologia do “hydraulic fracturing” que pode causar graves problemas de contaminação das águas subterrâneas.

Todos estes processos têm impactos ambientais mais gravosos do que a extracção de petróleo e gás natural convencionais, incluindo maiores emissões de CO2 para a atmosfera. Porém, nos EUA, o preço do gás natural baixou muito e o carvão ficou mais barato, o que tornou a economia do país mais competitiva. Na Grã-Bretanha, o Governo autorizou, no dia 13 de Dezembro, a exploração de gás de xisto para diminuir o preço da energia e a dependência energética do país, agravada com a progressiva escassez do petróleo do Mar do Norte.

O preço mais baixo do carvão e a crescente procura por parte da China e da Índia levaram a AIE a prever que o consumo global de carvão ultrapasse o do petróleo nos próximos dez anos, o que irá aumentar muito as emissões de CO2. Na última década, o carvão assegurou metade da procura global de energia e o seu consumo cresceu mais do que o conjunto de todas as renováveis. Em 2011, os subsídios à exploração de combustíveis fósseis totalizaram 533 mil milhões de dólares, cerca de 30% mais do que em 2010 e seis vezes mais do que o total dos subsídios para as energias renováveis.

O consumo de carvão está também a aumentar na Europa devido ao seu baixo preço, apesar de o Comércio Europeu de Licenças de Emissão de gases com efeito de estufa ser um mecanismo destinado a desincentivar o uso de combustíveis com elevadas emissões de CO2, como é o caso do carvão. Contudo, com o preço da tonelada de CO2 a valer apenas poucos euros, não há desincentivo para usar combustíveis de carbono elevado.

O vício em combustíveis fósseis não é curável nos próximos anos porque os interesses de curto prazo são muito mais fortes do que as preocupações com uma alteração climática global cujos efeitos mais gravosos só irão manifestar-se nas próximas décadas. O sector dos combustíveis fósseis tem um gigantesco poder financeiro e económico e não está disponível para a mudança no sentido de um novo paradigma baseado em energias renováveis. Como dizia Dennis Meadows, um dos autores do livro Os Limites do Crescimento, numa entrevista ao jornal Der Spiegel, em 7 de Dezembro, “vamos evoluir por meio de crises e não de uma mudança proactiva”. Serão as crises sucessivas que nos levarão a mudar de rumo.

Contudo, o realismo não deve desmoralizar-nos. Antes pelo contrário, é necessário e urgente praticar a disciplina da racionalidade ao propalar e defender a utopia, apenas aparente, de um novo paradigma energético e de um desenvolvimento sustentável. Com a mesma lucidez com que o biólogo Edward O. Wilson afirma no seu recente livro The Social Conquest of the Earth: “Criámos a civilização das Star Wars, com as emoções da idade da pedra, com instituições medievais e com uma tecnologia própria de Deus.”

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