A conservação da natureza, as florestas e o Estado

Com a recente remodelação governamental, separando os sectores da Agricultura e do Ambiente, cortou-se o bebé ao meio, mas sem o cortar.

A conservação da natureza vai de muito boa saúde. Temos uma recuperação dos sistemas naturais pujante, com o regresso dos carvalhais, dos corços, das martas, dos lobos e qualquer dia, espero eu, dos ursos.

Mas a conservação da natureza, enquanto sector institucional do Estado, está verdadeiramente em frangalhos. Não é só de agora, já vinha a dar sinais de desorientação há muito tempo.

Quando a versão original deste Governo tomou posse, fundiu o sector da conservação com o sector das florestas, naquela velha técnica de baralhar e dar de novo quando não se sabe o que fazer. Esta fusão é perfeitamente razoável e defensável.

Os serviços florestais foram criados para florestar o país, primeiro por razões de conservação do solo e de gestão da água. Sobretudo a partir do Estado Novo, acentuou-se a lógica económica, o que fazia sentido na altura e estava articulado com o facto de o Estado gerir os baldios como coisa sua.

Depois do 25 de Abril e da entrada em força da produção industrial do eucalipto, a par com os problemas de gestão dos fogos resultantes do abandono agrícola, a função produtiva foi passando para os privados. Sobrou a gestão de recursos, como a protecção, a caça, a pesca e outros aspectos que, de uma maneira ou de outra, são essencialmente gestão de património natural.

Dadas as profundas e antigas divergências entre os sectores da conservação e das florestas, o Governo inventou uma solução à moda da minha terra: nomeou para presidente do instituto que juntava os dois sectores desavindos uma pessoa que, por não perceber nem de conservação nem de florestas, não poderia ser conotada com ninguém.

Não ser especialista de um sector não é impeditivo de ser um bom director-geral. João Menezes, um dos melhores presidentes que o sector da conservação teve, pouco percebia de conservação quando chegou.

Mas numa situação de emergência financeira, sem dinheiro, com uma tutela política que também não só não percebia nada do assunto como tinha outras prioridades, juntar dois sectores tradicionalmente inimigos debaixo do mesmo tecto não é pêra doce. Nos últimos dois anos, estes dois sectores pouco mais têm feito do que se entreter com a sua fusão.

Com esta remodelação governamental, separando os sectores da Agricultura, onde tradicionalmente se filiam as florestas, e o do Ambiente, onde tradicionalmente se filia a conservação, cortou-se o bebé ao meio, mas sem o cortar.

Evitou-se optar por colocar as florestas na tutela do Ambiente, como têm feito muitos países e será uma inevitabilidade no futuro, ou entregar a conservação à Agricultura, o que pode fazer sentido porque é nos recursos do mundo rural que estão os recursos para gerir a conservação.

É preocupante o facto do tal instituto que foi fundido estar na tutela de dois ministros? Nem por isso, o que é preocupante é a completa irrelevância destes sectores institucionais que permite que sejam tratados assim.

“Tudo em volta está deserto / Tudo certo, como dois e dois são cinco.”

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