Volkswagen corta investimentos que não forem “absolutamente necessários”

No ano passado, o Estado assinou um plano de 677 milhões de euros com a fábrica do grupo alemão em Palmela.

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Fábrica de Palmela é uma das 119 do grupo na Europa Daniel Rocha
"Este não vai ser um processo indolor”, afirmou Matthias Mueller
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"Este não vai ser um processo indolor”, afirmou Matthias Mueller JOHN MACDOUGALL/AFP

Ainda ninguém sabe o valor da factura que o Grupo Volkswagen terá de pagar pelo maior escândalo da sua história, mas a multinacional já começou a apertar o cinto e decidiu cortar em todos os investimentos que não sejam essenciais.

Num encontro de trabalhadores da empresa, em Wolfsburg, o novo presidente executivo, Mathias Mueller, disse que iniciou um processo de revisão de todos os investimentos planeados, entre os quais está o da fábrica Autoeuropa, em Portugal, assinado no ano passado com o Estado e que ronda os 677 milhões de euros ao longo de cinco anos. “Tudo o que não for absolutamente necessário vai ser cancelado ou adiado”, afirmou Mueller. “Para ser completamente sincero: este não vai ser um processo indolor”, acrescentou, de acordo com as declarações replicadas num comunicado da multinacional.

Na semana passada, o ministro da Economia, António Pires de Lima, tinha afirmado que o investimento na Autoeuropa continuava em curso, mas admitia que o cenário não era certo. “Não temos garantias nenhumas, porque este é um rombo sério que a marca Volkswagen tem em termos da sua reputação, mas o investimento continua em execução”, disse o governante. Contactado pelo PÚBLICO nesta terça-feira, o ministério disse não ter novidades e reiterou as afirmações de Pires de Lima. Já a fábrica remeteu para o comunicado do grupo, que não detalha as medidas.

O plano de investimento na fábrica de Palmela – uma das 119 na Europa, a que se somam 11 noutros continentes – tem como objectivo adaptar esta unidade de construção ao fabrico de um novo modelo, o Pólo SUV. A produção da Autoeuropa permaneceu inalterada após o rebentar do escândalo, nos 460 carros por dia. O investimento está também a ser alvo do escrutínio de Bruxelas. No ano passado, a Comissão Europeia anunciou estar a verificar se o financiamento público de 36 milhões de euros cumpre as normas europeias. 

Presente no encontro de trabalhadores na Alemanha, o coordenador da comissão de trabalhadores da Autoeuropa, António Chora, não tem informação concreta sobre a fábrica em Portugal, mas diz que a mensagem do grupo é de que “os investimentos vão ser passados a pente fino” e que “os próximos dias ou semanas” serão decisivos para a estratégia a seguir.

O Grupo Volkswagen tem até esta quarta-feira para apresentar às autoridades alemãs um plano detalhado de acção, sob pena de os carros a gasóleo com o motor que engana os testes de emissão deixarem de poder circular nas estradas. António Pires de Lima disse na semana passada ter recebido informação por parte da multinacional de que o plano chegaria, também até quarta-feira, às autoridades portuguesas. Nesta tarde, o Ministério da Economia ainda não tinha recebido nada. Uma vez entregue, o plano será analisado pelo grupo de trabalho criado pelo Governo, que inclui três secretarias de Estado e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes. 

O caso está a abalar a empresa que ultrapassou este ano a Toyota para se tornar no maior fabricante mundial de automóveis, em termos de unidades vendidas. O grupo, no entanto, afastou, por ora, a possibilidade de despedimentos (com excepção de situações pontuais directamente relacionadas com o caso). “Neste momento, a boa notícia é que não há consequências para os empregos”, afirmou o presidente do conselho de supervisão do grupo, Bernd Osterloh, no encontro de trabalhadores. Acrescentou, porém, que o conselho vai rever os bónus da equipa executiva.

Não se sabe ao certo qual o impacto nas contas da multinacional da descoberta de que alguns motores a gasóleo emitiam menos óxido de azoto (um poluente associado a doenças pulmonares) quando estavam a ser testados do que em condições normais de condução. Nos EUA, a empresa arrisca uma multa teórica de 18 mil milhões de dólares, embora seja provável que o valor final seja significativamente inferior, dada a admissão de culpa e a colaboração com as autoridades.

A isto somam-se possíveis encargos com processos em vários países. Em Portugal, o Estado pretende ser ressarcido pelos impactos ambientais e o ministro da Economia não descartou a hipótese de estar em causa uma situação de fraude fiscal, dado que as emissões dos veículos são usadas para o cálculo de alguns impostos.

A reacção dos consumidores também não é clara. No mercado português, as vendas em Setembro continuaram a crescer, tal como aconteceu com o resto do mercado automóvel. Esta terça-feira, o site da Volkswagen em Portugal passou a permitir aos proprietários saberem se os seus veículos são afectados.

A fraude da Volkswagen levantou dúvidas sobre outros fabricantes, bem como sobre os processos de testes na União Europeia e poderá ter um efeito negativo na maior economia europeia. O assunto foi debatido esta tarde no Parlamento Europeu. "É um golpe duro para a economia alemã como um todo", disse à imprensa o presidente do parlamento, o alemão Martin Schulz. "Mas acredito que a Volkswagen é uma empresa forte que tem todas as hipóteses de sobreviver à crise".

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