Vítor Gaspar: a corrupção é um “imposto oculto” sobre o crescimento económico

Ex-ministro escreve com um colega do FMI sobre os efeitos da corrupção no desenvolvimento dos países: é como uma “privatização das políticas públicas”.

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Gaspar lidera o departamento de assuntos orçamentais do FMI desde Junho de 2014 Daniel Rocha

O título já diz muito – Corrupção: um imposto oculto sobre o crescimento. A ideia que sustenta a reflexão, da autoria do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar e do seu colega do FMI Sean Hagan, é esta: os custos da corrupção reflectem-se inevitavelmente no desenvolvimento das economias, por maiores ou menores que elas sejam, e se o seu impacto negativo nas receitas dos Estados já é considerável, o efeito invisível das práticas ilícitas no crescimento e no investimento dos países manifesta-se ao ponto de prejudicar o bem-estar das populações.

Num artigo publicado no blogue iMFdirect, onde Gaspar escreve com Hagan na qualidade de director do departamento de assuntos orçamentais do Fundo Monetário Internacional (FMI), os dois autores fazem uma síntese do que foi debatido sobre estes temas durante os encontros anuais do FMI em Lima, no Peru, em Outubro.

Primeiro, do que falamos quando falamos de corrupção? “A maior parte das pessoas acredita que é capaz de reconhecer um acto de corrupção se fosse confrontado com ele. Por exemplo, no caso em que um funcionário aceita um suborno em troca de uma vantagem financeira ou política. No entanto, os especialistas dão cada vez mais uma definição mais ampla da corrupção. Mais do que uma simples transacção entre duas partes, como disse um dos participantes do debate [do FMI no Peru], a corrupção pode ser considerada uma ‘privatização das políticas públicas’”, escrevem Gaspar e Hagan, que no FMI é director do departamento jurídico.

“As elites poderosas dos negócios e da política entendem-se entre si para submeter as instituições públicas à sua vontade, capturar os processos de decisão política e monopolizar a aquisição e a contratação pública. Um outro interveniente [dos encontros do FMI] deu uma definição de corrupção ainda mais ampla, vista como ‘falta de imparcialidade na administração pública’, onde o dinheiro e a autoridades [os poderes públicos] são utilizados de tal forma que prejudicam o bem-estar das populações”, elencam.

Daí que os dois autores não vejam com surpresa o aumento “generalizado” das preocupações dos cidadãos com “alegações de corrupção no sector público” um pouco por todo o mundo. “De São Paulo a Joanesburgo, os cidadãos saíram à rua contra práticas ilícitas. Em países como o Chile, Guatemala, Índia, Iraque, Malásia e Ucrânia, enviam uma mensagem em alto e bom som: combatam à corrupção!”.

Círculo vicioso
Os custos económicos directos, continuam os dois quadros do FMI, “são óbvios” para a maioria das pessoas. “Os subornos exigidos por determinados prestadores de serviços têm consequências negativas no plano social”, reduzindo as receitas do Estado e, com isso, diminuindo “a sua capacidade de assegurar os serviços públicos”. O que significa, segundo os autores, que “cada vez mais a corrupção tem custos indirectos ainda mais vastos para a economia”.

Os dois autores lembram uma coordenada por George T. Abed e Sanjeev Gupta (Governança, corrupção e desempenho económico) para reforçar a ideia de que a corrupção, como braço inimigo do crescimento, induz por exemplo a falta de investimento nas actividades produtivas e na perpetuação de “políticas ineficazes”.

Esses custos “que tocam os países em todos os estados de desenvolvimento, são consideráveis”. Gaspar e Hagan citam um estudo de 2005 para quantificar que esse impacto negativo ascenderia, a nível global, a 1,5 biliões (milhões de milhões) de dólares, “cerca de 2% do PIB mundial actual”.

E os custos não são apenas económicos. A corrupção, sublinham, gera perda de confiança nas autoridades públicas, contribuiu para um aumento das desigualdades em termos de influência política, degradação dos valores públicos e na diminuição da qualidade de vida dos cidadãos. E são estes custos não económicos que “criam um círculo vicioso de falta de eficácia do sector público que afecta a economia a longo prazo”.

Lembrando os apelos lançados em Lima, Vítor Gaspar e Sean Hagan dizem que é preciso ajudar os países a combater a corrupção, porque ela tem consequências “na solidariedade das finanças públicas e na estabilidade dos mercados financeiros – temas que dizem directamente respeito ao FMI”.

E o que pode fazer o Fundo junto dos países-membros? Os autores traduzem o pensamento de David Lipton, primeiro subdiretor-geral do FMI, quando lembrou que o Fundo deve ajudar os países a tomar “medidas ambiciosas e globais que se impõem para modificar as políticas económicas e o seu quadro regulamentar de forma a reduzir sensivelmente o custo deste imposto oculto”.

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