Vistos gold, nem tudo o que reluz é ouro

Os vistos dourados têm vantagens para a economia. Mas levantam problemas, alguns de princípio.

Na página de Internet do SEF nunca se fala em vistos gold. O conceito aparece com o pomposo nome técnico de ARI – Autorização de Residência para Actividade de Investimento. Já no nome se encontra um primeiro equívoco; nem tudo o que dá direito ao visto dourado se encaixa no conceito tradicional de investimento. Comprar casas que valem mais de 500 mil euros ou abrir um negócio que crie emprego são investimentos. Já uma simples transferência bancária de um milhão de euros é questionável; até porque não existe nenhuma obrigação de o dinheiro depositado vir a ser efectivamente gasto (e não apenas parqueado) no país.

Os vistos gold também podem ser vistos a partir de um prisma social, e esta abordagem foi sintetizada de uma forma bastante lúcida por Rui Pena Pires. Numa entrevista à Lusa, o sociólogo defende que o visto dourado “viola o princípio da universalidade, dos critérios abstractos, gerais, impessoais, de acesso aos direitos”. O estrangeiro tem em Portugal “um estatuto de exclusão parcial de direitos”, diz o professor universitário. “O que estamos a dizer é que só damos esse estatuto a quem o comprar”.

E quem o compra, já se percebeu, nem sempre tem a melhor das intenções. O visto também é uma forma simpática de tirar o dinheiro (e a própria pessoa) do escrutínio das autoridades judiciais do país de origem. Serão uma minoria com certeza, mas o facto de a PGR estar a investigar dois investidores estrangeiros, por suspeitas de branqueamento de capitais, é a prova de que o fenómeno existe.

Naturalmente que o visto gold tem vantagens. Para o mercado imobiliário é uma lufada de ar fresco. E quem vem para o país criar postos de trabalho é com certeza bem-vindo. O único senão é que dos 787 vistos gold já atribuídos, apenas se conhece um caso isolado de um investidor que pediu a autorização de residência para investir e criar postos de trabalho.

Um dos argumentos dos defensores do visto gold é que se os outros países da Europa o fazem, nós também o devemos fazer. Considerando este argumento válido, poderíamos ter ido mais longe, como por exemplo o Reino Unido, que abre as suas fronteiras a quem investir dinheiro na dívida pública.

Há países, como Malta, que foram mais longe e já não “vendem” autorizações de residência, mas a própria nacionalidade. Na Comissão Europeia olha-se para o fenómeno (que permite aos portadores de vistos deslocar-se livremente por todos os países de Schengen) com algum embaraço. E o mínimo que se poderia exigir era uma uniformização de regras. Aliás, é o próprio Tratado de Lisboa que prevê uma competência partilhada na matéria. Caso contrário, os vários países que querem atrair dinheiro vindo de fora do espaço comunitário tenderão a concorrer entre si através do afrouxamento dos controles e dos critérios de concessão de vistos. E nesse caso o embaraço poderá vir a ser ainda maior.
 

   


 

   


 

   

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