Vinho, fruta e hortícolas vão continuar fora das ajudas da PAC

Governo avança na transposição para Portugal das regras da nova PAC. Parte das vinhas, pomares e hortícolas do país serão excluídos do regime das ajudas, que chegam a 8100 milhões de euros até 2020. Mas vai haver apoios reforçados para a pecuária, estando ainda em análise os apoios ao tomate para a indústria.

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Distribuição de apoios em Portugal vai ficar limitada aos actuais beneficiários ADRIANO MIRANDA

Nos dois últimos anos, a União Europeia empenhou-se em promover mais uma reforma da sua Política Agrícola Comum (PAC) com o objectivo de a tornar “mais equitativa na distribuição das ajudas ao rendimento”, mas em Portugal o cumprimento deste objectivo vai ficar limitado aos actuais beneficiários. A cinco meses de o país fazer chegar a Bruxelas as suas decisões finais, é já certo que os produtores de vinho, de hortícolas ou de frutas que estavam fora dos pagamentos vão continuar sem direito a beneficiar dos regimes de ajuda.

“É uma situação muito injusta para os produtores que sempre estiveram de fora dos apoios e que não vão poder aproveitar esta janela de oportunidade aberta pela nova PAC”, diz Francisco Avillez, professor universitário jubilado. “É uma decisão que não faz muito sentido, que se destina a manter uma realidade muito discutível do ponto de vista técnico e económico”, acrescenta Arlindo Cunha, ex-ministro da Agricultura e especialista em economia agrária.

Para o Ministério da Agricultura, a opção justifica-se por duas razões: porque o alargamento da base dos agricultores com direito aos pagamentos ameaçava tornar ingerível o sistema administrativo e também porque o aumento do número de beneficiários iria reduzir a fatia que vai caber a cada um dos agricultores. De resto, José Diogo Albuquerque, secretário de Estado da Agricultura, lembra que o Governo fez um esforço por aumentar a base dos destinatários dos pagamentos directos da PAC, acrescentando-lhe os agricultores que recebiam até agora ajudas agro-ambientais ou indemnizações compensatórias destinadas às regiões desfavorecidas. “O número de beneficiários vai passar de 150 para 180 mil”, diz, acrescentando que há “ainda uma reserva de 2% do total do envelope financeiro para que agricultores que não estão no sistema de pagamentos possam entrar”.

Convergência mitigada
Esta e muitas outras opções políticas e técnicas do Governo estão dependentes de um exercício delicado, que procura repartir pelas diferentes regiões do país, por diferentes culturas agrícolas ou pecuárias, por três milhões de hectares de superfície agrícola e por quase 200 mil agricultores um pacote financeiro de 8100 milhões de euros até 2020. Se uma parte dessas ajudas (3500 milhões de euros inscritos no que se designa por segundo pilar da PAC) se destina a apoios ambientais e, principalmente, ao investimento na modernização, o grosso da fatia da próxima PAC será liquidada em pagamentos directos aos produtores.

Desde 1992 que a política europeia procura compensar os agricultores pelo serviço público que prestam na preservação da paisagem, da biodiversidade ou da riqueza genética, primeiro com pagamentos associados a uma determinada produção e, depois de 2004, pela simples manutenção da actividade nas superfícies agrícolas alvo de apoios. Desta vez, porém, a PAC propunha-se ir mais longe. Por um lado, insistia no “desligamento dos apoios”, ou seja os agricultores recebiam ajudas em função das áreas das suas explorações fosse qual fosse a cultura que lá tivessem. Mas, por outro, pretendia introduzir critérios de “convergência” nos pagamentos, capazes de abolir de vez um dos principais anátemas da PAC: o de ser uma política que paga mais aos grandes produtores das grandes culturas arvenses (cereais e oleaginosas) ou criadores de gado do Norte da Europa do que aos pequenos produtores das zonas rurais ou do Sul do continente.

Inicialmente, o comissário europeu Dacian Ciolos apresentou uma versão de reforma que propunha uma “convergência” real dos pagamentos entre todos os Estados-membros, mas no processo negocial a sua proposta foi sendo torpedeada. Até que se chegou a uma “convergência mitigada”, na expressão de Arlindo Cunha, ou de uma “convergência parcial”, para Francisco Avillez. Ainda assim, Portugal viu o seu envelope financeiro por hectare aumentar de 187 para 199 euros, em 2019. A Holanda, por exemplo, verá os seus pagamentos unitários reduzir-se de 457 para 418 euros. Para manter a coerência da sua proposta, a Comissão exigiu que, para lá da convergência entre Estados-membros, houvesse uma convergência “interna” (em 2009 um agricultor alentejano, dada a área média da sua exploração, recebia em média 8497 euros, quando um congénere do Centro se ficava pelos 1147 euros).

Demasiada política
Com o evoluir do processo, os propósitos de refundar a PAC com base numa completa redistribuição de rendimentos sem relação com o valor económico e de mercado das produções foram ruindo. A Direcção-Geral do Ambiente tinha já mostrado o seu poder de influência ao insistir que 30% do total dos pagamentos fosse condicionado a práticas amigas da natureza. Mas “essas questões são na maior parte dos casos ‘para inglês ver’, ou seja, não são muito constrangedoras da actividade agrícola”, diz Capoulas Santos, eurodeputado responsável pela elaboração do relatório do Parlamento Europeu sobre a reforma.

Mais sensíveis foram as alterações que os governos foram introduzindo: a possibilidade de haver ajudas ligadas à produção de determinados bens e de haver pagamentos redistributivos capazes de apagar os efeitos da convergência, bem como a imposição de um limite de perdas aos que mais recebem acima de 30% dos seus benefícios, entre outras medidas. “A minha maior derrota foi não ter sido capaz de tornar as decisões da PAC obrigatórias para todos os Estados-membros”, diz Capoulas Santos. Ao contrário das anteriores versões da PAC, a actual política deixa quase todas as grandes decisões nas mãos dos governos nacionais. “Está tudo assustado, vai haver muita política”, ironiza Francisco Avillez.

José Diogo Albuquerque lembra que, em certas dimensões, “as discussões políticas podem poluir as políticas públicas para o sector”. Para o evitar, o ministério consulta um grupo de peritos (que, para além de Francisco Avillez ou Arlindo Cunha, conta com o apoio de nomes consagrados das ciências agrárias nacionais, como Raul Jorge, ou com empresários agrícolas prestigiados, como Gonçalves Ferreira e Luis Vasconcellos e Souza). Tem ainda procurado ouvir os parceiros sectoriais em várias reuniões onde foi ganhando crédito técnico Eduardo Dinis, chefe do Gabinete de Planeamento e Políticas do ministério. No actual estágio do processo, a Agricultura ainda tem pelo menos 40 decisões a tomar sobre a forma como vão ser aplicadas em Portugal as regras da reforma da PAC. Mas, a cinco meses da data em que as orientações nacionais terão de chegar a Bruxelas, há uma série de decisões que prometem reavivar o debate sobre as prioridades da agricultura em Portugal.

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