Vale mais um rombo nas contas da Segurança Social?

Num país como Portugal, onde há uma necessidade urgente de contrariar os baixos índices de natalidade, a popularidade de termos como “vale-infância”, “vale-ensino”, que, teoricamente, apoiarão as famílias no alívio das despesas com os seus filhos, poderão soar a algo de positivo e justificável. Mas é mais um daqueles casos em que o que aparentam ser boas ideias não o são na prática.

À semelhança do que acontece com o “cartão de almoço”, o “vale-infância” (que já existe e pode ser usado para dependentes com idade inferior a 7 anos) permite às empresas remunerar colaboradores com pagamentos em géneros, isentos de TSU, de IRS e ainda com benefícios fiscais em sede de IRC. É aqui que começam os problemas. De facto, estamos perante soluções que são, na aparência, amigas dos empregadores e dos trabalhadores. Das empresas porque têm a possibilidade de pagar uma parte do salário em “vales”, reduzindo os seus custos com essa parcela de remuneração – perdendo-se 1/3 desse valor em contribuições para a Segurança Social, caso a alternativa fosse aumentar o salário base no mesmo montante. Dos trabalhadores porque flexibiliza a contratação e enquanto se inclui no “pacote salarial” dimensões que de outra forma eram inviáveis. Contudo, para além de promover o desequilíbrio financeiro da Segurança Social – já sufocada pelo brutal aumento conjuntural de despesa com prestações de desemprego e quebra de receitas com a diminuição do emprego-, estas formas de remuneração têm ainda implicações, a prazo, no nível de salário que servirá de referência para o cálculo da pensão futura – no fundo, estamos a criar uma tempestade perfeita: ameaça-se o orçamento da segurança social hoje e, ao mesmo tempo, os trabalhadores estão a formar pensões mais reduzidas no futuro.

Do lado dos empregadores a solução parece óptima – ganha-se em optimização fiscal (que neste caso até pode ser vendida como responsabilidade social por via da promoção da natalidade) e ganha a empresa emissora dos vales que cobra a sua comissão (aos mais curiosos aconselho que investiguem quantas empresas operam neste mercado e quais as comissões que cobram pela emissão destes vales).

A utilização destes instrumentos e de outras artimanhas (legais) de “eficiência fiscal” tem vindo a generalizar-se no sector privado, com evidentes custos para as contas da Segurança Social. Mas, como se o processo de deslegitimação da Segurança Social pública não estivesse já suficientemente avançado, o Governo propõe agora diversificar ainda mais o menu de possibilidades. Escondido no conjunto das medidas de reforma do IRS, apresentadas com o OE2015, está  o alargamento do regime fiscal “favorável” dos vales-infância. E que regime é esse? – total isenção de contribuições e impostos, que se propõe que venha a abranger também os “vales sociais de educação”, passíveis de serem utilizados para despesas escolares de dependentes até aos 25 anos de idade.

Numa altura em que a (suposta) insustentabilidade da Segurança Social tem servido de pretexto para cortes nas pensões e nas prestações de pobreza, e em que se multiplicam os grupos de trabalho nomeados para resolver o desequilíbrio financeiro da Segurança Social, a promoção de mais um vale isento de TSU não é justificável nem coerente com esse mesmo discurso. No entanto, se olharmos para lá do discurso e dos sound bites concluímos, com relativa facilidade, que este tipo de medidas serve na perfeição uma estratégia de descapitalização e de descrédito da Segurança Social pública, universal, tal como a conhecemos.

Economista

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