UTAO: Projecções do Rectificativo têm vários riscos

Unidade Técnica alerta ainda que o orçamento tem pouca margem para acomodar desvios.

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Vítor Gaspar anunciou que a transferência do fundo de pensões irá exigir um orçamento rectificativo no próximo ano Nuno Ferreira Santos/PÚBLICO

As projecções económicas em que assenta o Orçamento Rectificativo entregue na semana passada na Assembleia da República podem revelar-se optimistas e colocar em causa o cumprimento das metas orçamentais, num orçamento com uma margem muito estreita, considera a UTAO.

No documento enviado nesta quarta-feira aos deputados, a que a Agência Lusa teve acesso, onde fazem uma análise preliminar à proposta de alteração à lei do Orçamento do Estado para 2013, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alerta para os vários riscos inerentes às projecções que servem de base às contas do Governo.

Em primeiro lugar, “as exportações poderão estar sujeitas a um abrandamento superior ao esperado, no caso de se verificar uma maior contracção na procura externa relevante”, dizem os técnicos, lembrando as mais recentes projecções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde é revisto o crescimento económico nas principais economias, incluindo os principais parceiros comerciais de Portugal.

Os técnicos dizem mesmo que uma procura externa mais baixa resultaria numa queda de 0,02 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB).

Uma deterioração do mercado de trabalho superior ao previsto e ainda uma maior redução do rendimento disponível das famílias caso sejam aplicadas novas medidas de consolidação orçamental podem também levar a um resultado mais negativo do crescimento económico, através de uma maior queda no consumo privado, e assim prejudicar também as metas a que se propõe o Governo.

A UTAO salienta que as medidas de crédito fiscal recentemente anunciadas podem ainda ter um efeito positivo que não está contabilizado no orçamento rectificativo, mas as restrições ao financiamento que as empresas deverão continuar a sentir podem limitar essa recuperação.

“A persistência de uma trajectória de contracção no crédito concedido apresenta-se como um risco para a evolução do investimento. Adicionalmente, a deterioração das expectativas sobre as condições de procura quer nos mercados internos quer externos, poderá limitar a evolução do investimento. Também o possível recrudescimento de tensões nos mercados financeiros, associadas à evolução da crise de dívida soberana, é um fator de incerteza que poderá restringir, ou adiar, as decisões de investimento”, explicam os técnicos.

A UTAO faz ainda um alerta para a possível sobre-estimação do efeito preço no valor nominal do PIB.

“Relativamente à evolução dos preços, o cenário macroeconómico contemplado no OER/2013 [Orçamento Rectificativo] incorpora uma subida dos preços relevantes para a actividade económica (deflactor do PIB) muito superior à estimativa da OCDE. A evolução dos preços produz efeitos ao nível do PIB nominal, relevante, entre outros aspectos, para a receita fiscal e para o referencial do défice e da dívida em percentagem do PIB”, explicam.

A um aumento de preços corresponde um PIB nominal mais elevado, utilizado para calcular as metas em rácio do produto, como o défice orçamental ou a dívida pública.

No ano passado este deflactor situou-se em -0,1%, reflectindo a evolução negativa dos preços relevantes para as componentes do consumo público e a evolução positiva dos preços das importações, mas para este ano o Governo espera um deflactor de 1,8% com todas as componentes do PIB a darem um contributo positivo, em particular os preços do investimento e consumo público.

A OCDE faz uma previsão completamente oposta, prevendo que o efeito preço seja negativo em -0,4% e que representa mesmo o factor que mais influencia a divergência nas projecções quanto ao défice orçamental entre o previsto rectificativo e pela OCDE.

Défice orçamental só cai 0,1% do PIB
A redução do défice orçamental este ano excluindo medidas temporárias deverá ser de apenas 0,1 pontos percentuais do Produto Interno Bruto, em comparação com o realizado em 2012, diz ainda a UTAO.

“O ajustamento orçamental previsto para 2013 traduz-se numa redução do défice excluindo o efeito de medidas de natureza temporária, em 0,1 pontos percentuais do PIB face ao ano anterior”, dizem os técnicos.

No documento, os técnicos independentes explicam que esta poupança (cerca de 165 milhões de euros considerando a actual estimativa para o PIB) num orçamento onde se prevê uma subida substancial das receitas (e o “enorme aumento de impostos” assumido pelo Governo) se deve a 92% da receita adicional ser absorvida pelo aumento da despesa.

As contas feitas pelos técnicos dão conta de um défice excluindo medidas temporárias na ordem dos 5,8% do PIB em 2012, estando previsto que para este ano este défice seja de 5,7% do PIB.

Como medidas temporárias para este ano está prevista a receita da concessão do porto de Lisboa, sendo que as relativas ao ano passado compõem uma lista bem mais numerosa: aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos; transferência do fundo de pensões do BPN; sobretaxa extraordinária em sede de IRS anunciada em Julho de 2011; concessão de quarta geração móvel; regularização de pagamentos à UE devido à revisão do Rendimento Nacional Bruto; Imposto sobre a repatriação de capitais (o RERT III); aumento de capital da Sagestamo; imparidades com sociedades veículo do BPN; e reembolsos de IVA.

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